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segunda-feira, outubro 20, 2014

Os problemas dos outros

Catarina Marques Rodrigues, jornalista do jornal online OBSERVADOR, publicou a 18 deste mès (Outubro de 2014) uma reportagem sobre crianças transgénero. Reportagem esta inserida na 1ª Conferência Internacional de Pais de LGBT, uma iniciativa da AMPLOSIG (Associação de Mães e Pais Pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género), mais conhecida pela denominação de AMPLOS.

Sempre me irritou este apagamento meio consentido pela AMPLOSIG das duas últimas siglas (IG). Denunciam uma certa orientação inicial, pois no início, quando se começou a ouvir falar da AMPLOS, dava a ideia que era direccionada com exclusiviade para problemas LG. Com a crescente visualização das identidades trans, a partir de uma determinada altura (e isto foi dito numa reunião sobre a temática T, não me recordo se a mim ou publicamente) a sigla seria AMPLOSIG, pois incluíria a temática T (a meu ver muito graças ao activismo trans e de apoiantes com uma visualização crescente nos últimos anos). No entanto continua a ser denominada somente como AMPLOS, com a aceitação táctica da direcção da referida associação. E isto chateia-me um bocado. Sem falar da posição patologizante que a referida associação tem adoptado.

Mas voltando ao artigo: Menções à discriminação sofrida pelas crianças (e, tem que se dizer, pela esmagadora maioria das pessoas trans, crianças e/ou adultas) e uma procura na internet que, estranhamente, não deu resultados, tanto que a pessoa em causa, Sandra, mãe de uma criança trans, teve de contactar com “amigos homossexuais” á procura de uma explicação. E digo estranhamente porque com a quantidade de informação existente na internet sobre o tema, é extremamente improvável que uma busca não dê resultados positivos ou, pelo menos, pistas, como por exemplo, palavras chave para se fazer uma nova busca. Estranho, improvável, mas tudo bem.

A definição de transgénero e transexual, pela Drª Zélia, é que me arrepiou. Segundo ela, uma pessoa transexual remete para uma transformação física em oposição a uma pessoa transgénero. Pois, continua-se na mesma tecla, a identidade de género, que É e que devia ser considerada como A definição de uma pessoa transexual, é relegada para segundo plano, enquanto as “transformações físicas” é que contam. Ou seja, a mesma lógica que dizia que uma pessoa transexual era aquela que queria fazer a cirurgia de correcção de sexo, continua a vigorar, agora “mascarada” como “transformações físicas” não especificadas. Pena.

Ainda mais pena foi a menção de um “estudo” feito pelo tristemente célebre Dr. Kenneth Zucker, aqui citado como “um dos maiores especialistas em transgenderismo na infância”. As pessoas trans (pelo menos as mais informadas) conhecem-no pelas suas controversas e transfóbicas posições, nomeadamente na advogação da negação da identidade de género nas crianças, i.e. na presença de uma criança trans, o que se deve fazer é negar a essa mesma criança a sua identidade e forçá-la a agir de acordo com as normas sociais do sexo com que nasceu. E é isto um dos “maiores especialistas mundiais”??? Há relativamento pouco tempo, um dos “maiores especialistas em homossexualidade” retratou-se admitindo que falsificou dados num estudo realizado por ele. Não será necessário mencionar que a sua posição em relação à homossexualidade era totalmente antagónica. Este tipo de atitudes são demasiadamente comuns no continente norte-americano (EUA e Canadá) por “especialistas” que por acaso são republicanos (no caso dos EUA) ou de direita. O que me leva a duvidar muito sobre o referido estudo do Dr. Zucker. Também não é referida qual a definição de transexualidade que o Dr. Zucker advoga, que pode ser diferente de outras. Pelo menos que a minha é de certeza. Portanto a sua afirmação de que um terço das crianças trans que acompanhou são transexuais suscita-me um sem número de dúvidas. Não acredito nele.

Pior, ele considera as mulheres trans como “um mau subproduto de homens gays”. Sem palavras nem comentários.

O artigo na sua globalidade está acima da média, jornalísticamente falando. E o que sobressai dele? A constatação que O(S) PROBLEMA(S) não estão na cabeça das pessoas trans, que (algumas) desde crianças têm a plena consciência de quem são, mas sim na incapacidade dos outros de aceitarem esta realidade. E como consequência, talvez porque mudar a sociedade será mais complicado e demorado, as pessoas trans é que são obrigadas a terem consultas psiquiátricas/psicológicas em vez das restantes pessoas.

E depois têm de se submeter ao que os “especialistas” consideram ser a definição, por exemplo, de transexual, em que os critérios diferem de país para país e mesmo de médico/psicólogo para médico/psicólogo. O que traz mais problemas às pessoas trans do que os que resolve. Não poucas vezes uma pessoa trans, que tem de suportar altos níveis de transfobia, aparece nas consultas só para levar com mais transfobia em cima.

Mais razões existem para eu ter tomado uma posição anti-patologização, depois de muito tempo. Os recentes desenvolvimentos na Organização Mundial de Saúde, com uma proposta para retirar a transexualidade/transgenderismo do rol das doenças mentais, mais a lei de identidade de género argentina e mais recentemente a dinamarquesa indicam-me que estou no bom caminho, no caminho certo. Com o corolário da OMS ter adoptado uma posição assumida por mim há muito tempo, com a proposta de mudar as pessoas trans para a classificação de “condição médica”.

Isto sem prejuízo de quem considere que necessita de ter consultas psiquiátricas/psicológicas. O que se deseja é o fim das consultas forçadas. E o velhinho argumento da irreversabilidade da transição como desculpa para essa obrigatoriedade já deixou de existir, com os (pouquíssimos) casos de arrependimento existentes, e que regridem novamente para o género inicial, sem problemas cirúrgicos.