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sexta-feira, agosto 04, 2006


PÚBLICO • QUARTA-FEIRA, 2 AGO 2006

Menores suspeitos de matarem Gisberta condenados a internamentos até 13 meses

Juízes falam em brincadeira de mau gosto e dizem que menores agiram levianamente

TÂNIA LARANJO

Agiram levianamente, o crime não passou de uma brincadeira de mau gosto. Não são um gang, porque não havia espírito de grupo, nem liderança definida. A instituição também não os protegeu e largou-os à sua sorte, levando-os a cometer o crime. As afirmações são dos juízes do Tribunal de Menores do Porto que consideraram que os 13 rapazes, suspeitos de envolvimento na morte de Gisberta, a transexual agredida e lançada com vida a um poço, a 22 de Fevereiro passado, não cometeram o crime de homicídio.

As penas aplicadas variaram entre os 11 e os 13 meses de internamento, em regime aberto e semiaberto; dois deles, indiciados apenas por não terem auxiliado Gisberta quando aquela era continuamente agredida, vão receber acompanhamento educativo durante um ano.

Para o tribunal, os actos praticados pelos jovens, que se prolongaram por uma semana, configuram os crimes de ofensa à integridade física qualificada, profanação de cadáver e omissão de auxílio. Resulta em punições mais brandas do que as que foram pedidas pelo Ministério Público, que defendia um agravamento do crime por ter resultado na morte da vítima.

Sentença descreve o horror vivido por Gisberta
Os factos dados como provados são a descrição do horror pelo qual terá passado Gisberta, nos dias que antecederam a sua morte. Diz então o tribunal que tudo começou nos primeiros dias de Fevereiro, quando três rapazes – "que até eram amigos da vítima e lhe levavam géneros alimentícios"– disseram aos colegas que conheciam "um gajo com mamas que se parecia com uma mulher". "Combinaram dar porrada à vítima, agrediram-na com uma pedra e depois a murro e a pontapé", asseguraram os juízes, que dizem ainda que nesse mesmo dia (15 de Fevereiro) "um deles queria baixar as calças a Gisberta para perceber se era homem ou mulher".

No dia seguinte, os jovens voltaram à garagem abandonada, no centro do Porto. Os juízes deram como provado que agrediram novamente a vítima e lhe destruíram a cabana onde dormia. Nessa altura perguntaram-lhe se precisava de ajuda, ao que Gisberta terá respondido negativamente. Pediu um cigarro e que a deixassemem paz. Dois dias depois (18 de Fevereiro), os jovens regressaram. Gisberta estava deitada em cima de um colchão e, segundo o tribunal, os rapazes atiraram-lhe "um barrote" em cima do corpo. Saíram e regressaram a 19, altura em que Gisberta já se encontrava inanimada e nua da cinta para baixo. "Apresentava arranhões e equimoses", continuou o tribunal, saltando depois para o dia 21, um sábado, altura em que os rapazes terão visto que a vítima estava inanimada, levando-os a pensar que estava morta.

"Desprezo pela vida humana"
"Pensaram em desfazer-se do corpo, mas desistiram porque tinham de ir às aulas", esclareceu o colectivo de juízes, que deu ainda como provado que os jovens haviam tido a intenção de fazer um funeral a Gisberta. E só não a enterraram ali mesmo porque não tinham nada para o fazer.

No dia 22, voltaram então ao local onde Gisberta jazia inanimada. E três deles, asseguram os juízes, lançaram Gisberta ao poço, junto com os barrotes, para que ela não conseguisse fugir. Mesmo assim não a mataram, porque, segundo o médico legista, Gisberta morreu por afogamento. E o seu relatório foi todo ele dado como provado, designadamente na parte em que dizia que Gisberta tinha sida em fase terminal e que as lesões provocadas no corpo não eram por si só suficientes para lhe causar a morte.

Refira-se ainda que a sentença não dá como provado que o crime tenha sido motivado devido à orientação sexual da vítima. Nem tão-pouco que Gisberta tenha sido violada com um pau, tal como defendia o Ministério Público. Mesmo assim, os juízes ressalvam que os "menores agiram com desprezo pela vida humana", mas que carecem de "medidas de intervenção rápida". Alguns dos advogados de defesa anunciaram recursos imediatos, que devem estar resolvidos antes de Setembro.



Advogado ameaça com acção contra o Estado e família diz também que avançará para tribunais


Pedro Ferreira, advogado de um dos menores a quem foi aplicada a pena mais dura (13 meses de internamento, em regime semiaberto), admite agora vir a processar o Estado. "Vamos recorrer da decisão, porque nos parece que não foi tida em conta a actuação de cada um dos menores individualmente. Parece-nos excessiva a pena e estou a estudar, em conjunto com a mãe, a possibilidade de avançarmos com uma acção contra o Estado. Para pedirmos responsabilidade às Oficinas de S. José a à Câmara do Porto [responsável pela gestão do parque de estacionamento semiabandonado onde Gisberta foi encontrada sem vida]", referiu, realçando que o menor que representava havia tido uma responsabilidade diminuta. "É excessiva a pena, ainda mais porque não lhe serão descontados os seis meses em que já estiveram internados."

Também os familiares de Gisberta, contactados no Brasil pela agência Lusa, anunciaram que vão avançar igualmente com um processo cível contra o Estado. Classificaram a decisão judicial como sendo uma "porcaria" e garantiram contar com o apoio do consulado para poderem avançar para os tribunais.

Quanto ao processo referente ao último menor – de 16 anos e alvo de um inquérito autónomo, a correr no Departamento de Investigação e Acção Penal –, tudo indica que venha a ser arquivado proximamente. A prova recolhida pelo Tribunal de Menores e ontem tornada publica aponta para o seu não envolvimento nas agressões. "Todos confirmaram que não teve qualquer intervenção dos factos", disseram os juízes.

Traços comuns no perfil psicológico
O perfil psicológico dos 13 rapazes, ontem lido pelo juiz que presidiu à audiência, tem vários traços comuns. Todos eles nasceram em famílias desestruturadas, sendo usuais o desinteresse familiar, os problemas de droga e de alcoolismo. Têm também carências escolares e alguns apresentam sintomas de depressão.

Os técnicos consideram ainda que os jovens não sabem distinguir a fronteira entre o legal e o ilegal, o que por vezes os conduz à tomada de atitudes violentas. Faltas de apoio que levaram o juiz presidente a ressalvar que gostava de escrever em letras grandes que não se deve desacompanhar estes miúdos. Para que, depois, não acabem nos tribunais, pela prática de crimes comoo que vitimou Gisberta.



PÚBLICO • QUINTA-FEIRA, 3 AGO 2006

Editorial

CONDENE-SE O POÇO!

Gisberta terá morrido porque não sabia nadar ou porque, sabendo-o, não o quis fazer, pelo que só se pode concluir que este foi um suicídio


A Lei Tutelar Educativa, criada na sequência de uma série de assaltos cometidos por menores, que alarmou um pacato Verão, envolveu figuras públicas e provocou a demissão do então ministro da Administração Interna, foi criada com a nobre intenção de conciliar o modelo de protecção de menores com o modelo de justiça, defendendo-os da repressão penal, mas conferindo ao Estado o dever de intervir correctivamente quando aqueles praticam delitos. Qualquer um dos regimes de internamentos previstos pela nova lei (aberto, semiaberto ou fechado), a mais grave das medidas tutelares, prevê o acompanhamento pedagógico ao abrigo da protecção do Estado no sentido da "educação para o Direito" dos menores em causa.


A aplicação da Lei Tutelar Educativa aos jovens com mais de 14 anos envolvidos nas agressões à transexual Gisberta implicava a aplicação da medida mais gravosa, o internamento em regime fechado, se... Se o Tribunal de Menores do Porto, que julgou o caso, entendesse tratar-se de homicídio. O que não aconteceu. Lê-se e não se acredita. Os maus tratos continuados a que Gisberta foi sujeita durante uma semana – agredida a murro e a pontapé, com paus e com pedras, até ficar inanimada – foram uma "brincadeira de mau gosto" de um grupo de jovens que actuou de forma leviana. E que não agiu daquela forma pelo simples facto de se tratar de uma transexual, quando o mesmo tribunal deu como provada que foi a curiosidade sexual pelo corpo da brasileira que motivou as agressões.


Depois de espancada várias vezes (e se não abandonou o local foi porque se encontrava num estado que a impedia de o fazer), o seu corpo foi atirado para um poço com a profundidade de 15 metros, juntamente com um barrote e certamente com alguma intenção, mas Gisberta terá morrido porque não sabia nadar ou porque, sabendo-o, não o quis fazer, pelo que só se pode concluir que este foi um suicídio. Condene-se, pois, a água ou, melhor, o poço. E por que não a câmara municipal da cidade, que é quem gere o parque de estacionamento naquele local? O que estava em causa era muito mais a qualificação do crime do que as medidas a aplicar e o mais natural era que, no mínimo, embora mesmo assim isso fosse duvidoso, tivessem sido acatadas as punições pedidas pelo Ministério Público, que defendia um agravamento devido à morte da vítima.


A sentença branda do tribunal, que deu como provados crimes de ofensas à integridade física qualificada na forma consumada e crimes de profanação de cadáver na forma tentada, em nada contribui para a "educação para o Direito" de que fala a Lei Tutelar Educativa e legitima todas as dúvidas sobre se não terá sido o estatuto da vítima a ditar o desfecho do caso. A negação da existência de homicídio, como se quem matasse fosse a bala e não quem prime o gatilho, é o corolário de uma acumulação de exclusões: Gisberta, nascida Gisberto Júnior, há 46 anos em S. Paulo, imigrante ilegal, seropositiva, com hepatite, prostituta, toxicodependente e sem-abrigo. E sem ninguém que defendesse a sua dignidade afogada num poço de um prédio inacabado do Porto. O desfecho deste grave e inédito caso é tudo menos pedagógico, quer para a justiça, quer para os menores.


AMÍLCAR CORREIA



Culpa, eu?



Que futuro vai ser o destas crianças, que cometeram um crime grave e sério e que dele são desculpadas? Serão inimputáveis, terão pensado que Gisberta voaria para fora do poço sozinha? Que cidadãos vão ser estes?


Com certeza já toda a gente assistiu a este tipo de cena edificante: o menino, ou menina, anda correndo pela sala. Na alegria do movimento, esquece onde está e bate com a cabeça na cadeira. A mãe, ou pai, corre preocupada. Parar o choro é a urgência, o remédio é a vingança. Assiste-se então ao triste espectáculo, a mãe diz: "Má, feia cadeira que magoou o meu menino!" E bate na cadeira. A compensação oferecida à criança é, portanto, a vingança num móvel imóvel. Não se lhe diz: "Tenha cuidado, olhe para onde vai, veja o que está na sua frente, não se esqueça de onde está." Lição aprendida: a culpa é da cadeira, a consolação é a vingança. Eu não sou responsável. É o mundo material contra a "inocência".


Assim educadas as gentes, não é de espantar que ninguém nesta terra seja responsável por coisa nenhuma. Há um acidente de estrada? A culpa é da estrada. Ou da árvore que ali estava e não devia. Há fugas de informação do Ministério Público? A culpa é dos jornalistas, ou da informação que tinha pernas. Há descalabro nas finanças? A culpa é das finanças, ou seja de ninguém, o dinheiro corre. Hoje existe mesmo uma "culpada por excelência", a informática. Foi o computador. A máquina enganou-se, eu não. E, se for caso disso, encontra-se um ou uma empregada qualquer, de preferência na base da carreira, que é responsável pelo engano. Erros de informática, erros na feitura de testes de exame, erros nas contas públicas, culpa de alguém? Nem pensar, estas coisas acontecem.


Houve já um acórdão de tribunal sobre um caso de violação de uma menina de 14 anos, em que o violador, apanhado em flagrante delito pelo pai da criança, não foi considerado culpado porque a menina era muito alta. Um metro e setenta e cinco. Logo era culpada por não se ter defendido, mesmo com 14 anos, mesmo sendo o violador um adulto da sua família. Portanto atenção meninas e meninos: acima de um metro e sessenta não há violação.


No célebre caso da criança que apanhou um choque ao carregar num botão de semáforo para atravessar a rua, a culpa foi do semáforo.


E chegamos ao absurdo. A mulher morta pelo marido,vítima de homicídio provado, foi a culpada por ter queimado o jantar. E Gisberta, espancada e atirada a um poço por um grupo de "inocentes criancinhas", foi culpada por ser o que era, pobre e transexual. Mas não só ela, o poço teve grande parte de responsabilidade. Estava ali, tinha 15 metros, era acolhedor. Sugiro que se instaure um processo ao poço. As crianças assim aprendem mais uma lição: não têm culpa, não são responsáveis. Não querem estragar-lhes o futuro.


Que futuro vai ser o destas crianças, que cometeram um crime grave e sério e que dele são desculpadas? Serão inimputáveis, terão pensado que Gisberta voaria para fora do poço sozinha? Que consciência, que cidadãos vão ser estes? Como ficará marcado este episódio na sua memória? Lição aprendida: a culpa é de Gisberta, diferente e inferior, sem importância e que não devia, à partida, existir.


Quando se trata deste tipo de crime, crimes de ódio e de género, baseados no sexo que uma pessoa ostenta ou na sua orientação sexual, é costume, brando costume, culpar-se a vítima. Normalmente mulheres, são culpadas por estar ali, por estarem assim vestidas, por não se defenderem como deveriam, por ter sorrido, ou por estarem sérias, por ter aceite uma boleia ou um convite para um copo. São culpadas e é esta a descendência de Eva.


Isto é tanto mais óbvio quanto as manifestações populares o provam: a família do agressor defende-o acerrimamente, todos dizem "não vão estragar a vida ao homem por uma coisa destas" (coisa que é estragar a vida a uma mulher). Tal como no caso das prostitutas de Bragança, a culpa é das mulheres prostitutas e não dos numerosos clientes que lá vão. A culpa é da amante e não do marido, esse que faltou à palavra, que mentiu, que enganou. Ou da circunstância: "Um homem não é de ferro." Que equivale a dizer que um homem não tem querer, nem vontade, nem capacidade de escolha. É antes governado por instintos. E por isso é um coitado. Não lhes estraguem a vida. Não têm culpa. A culpa é da cadeira.

MADALENA BARBOSA Especialista em igualdade e género


Diário Digital


Caso Gisberta:
A cônsul-geral do Brasil critica duramente a sentença do caso Gisberta. Falando do Diário de Notícias esta quinta-feira, Marília Sardenberg Zelner Gonçalves, a decisão de aplicar uma pena que considera branda, diz ter ficado «surpreendida com a caracterização de brincadeira feita pelo juiz» do ataque que quatro menores fizeram ao transsexual brasileiro.


e pelo mundo...


[Australia]
A sex change recipient who wants to be known as female on her birth certificate has taken her fight to the Federal Court.


[Thailand/USA]
An American transsexual who worked as an English teacher in Bangkok was found dead in her apartment after having been shot twice in the chest, police said. The body of Lezlie Anne Field, 31, was found on Wednesday on her living room sofa with a suicide note, said Chatchai Iamhong.