Despatologização da Transexualidade: Sim ou Não? O comentário
Volta e meia soa o rugido de uma rajada de vento demasiadamente fresco para esta época do ano. Estamos a 17 de Julho e o tempo devia estar substancialmente mais quente. Se calhar a classificação portuguesa das agências de rating tem mais implicações do que poderia parecer à primeira vista.
Estamos a 17 de Julho. Ontem, 16, um debate sobre a despatologização da transexualidade aconteceu no Centro LGBT em Lisboa, organizado pela rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, em colaboração com o GRIT - Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal.
Como oradores estiveram na mesa Sérgio Vitorino, das Panteras Rosa, Paulo Côrte-Real em representação do GRIT, a psiquiatra Ana Matos Pires e a psicóloga Gabriela Moita.
Como representantes da comunidade transexual (afinal era de transexualidade que se tratava) esteve... ninguém. Nem uma pessoa na mesa era transexual. Num debate que até é importante para a comunidade, a organização optou por silenciar as vozes transexuais e dar relevo à psiquiatrização. Nota negativa.
Nem a desculpa que me foi dada por um membro da organização, que “há uma componente científica neste debate” serve como desculpa, quando toda a gente sabe que os cientistas não fazem a menor ideia das causas da transexualidade, e a esmagadora maioria nem compreende o que é ser-se transexual.
Delirante mesmo foi a desculpa de não se encontrar nenhuma pessoa transexual na mesa: que “não existem pessoas trans suficientemente familiarizadas com o tema ou que possuam discurso coerente sobre o mesmo”. Obviamente que, com a quantidade de questões postas pelas oradoras Ana Pires e Gabriela Moita, que levantaram inúmeras questões sobre os mais variados aspectos interligados à despatologização, a intenção de exclusão por estes motivos como que “deu para o torto”.
Antes de comentar sobre o evento propriamente dito, sinto necessidade de expôr aqui a minha posição sobre o assunto, visto ter sido acusada por um elemento da organização de não ter “um discurso coerente sobre este tema” e de “nem sequer sei (o elemento) qual é realmente a tua (minha) posição sobre este assunto”.
É evidente que esta pessoa não acompanhou os debates via email que tive durante estes anos com inúmeras pessoas na mailing list das Panteras, nomeadamente com o Sérgio, mas também com muito mais gente que integra essa mailing list. Também não tem demonstrado interesse em debater comigo o assunto, portanto é natural que ignore a minha posição sobre o mesmo.
Esta conversa da despatologização da transexualidade iniciou-se há uns cinco, seis anos atrás com o início de uma campanha internacional denominada “STOP trans pathologization 2012”, destinada a excluir do rol das doenças mentais o transgenderismo e a transexualidade (como elemento integrante da comunidade transgénero). Este movimento cresceu ao longo do tempo, com várias associações e grupos transexuais, transgéneros, e LGBTs a aderirem ao mesmo. De um modo simples, consideram os integrantes da comunidade transgénero como tendo identidades próprias (identidades trans) podendo ou não estarem incluídas no binarismo de género (Masculino e feminino) defendendo a existência de mais géneros, e defendendo a exclusão destas identidades da classificação de patologias, específicamente da classificação de doenças psiquiátricas ou doenças mentais. Quem desejar saber mais sobre o assunto, contacte as Panteras Rosa.
Portanto é a partir deste movimento que se começou a falar sobre despatologização.
Na teoria, tal como Gabriela Moita explicou no debate, qualquer pessoa deve ter o direito à sua auto-determinação e a auto-afirmar-se como pertencente a um qualquer género, desde que comprove encontrar-se na plena posse das suas faculdades mentais. Quer isto dizer desde que não sofra de qualquer doença mental inibidora da sua capacidade de tomar decisões. Isto é evidente. E por consequência faz todo o sentido a retirada da transexualidade do rol das doenças mentais.
Basta pensar-se que, presentemente, para se obter um diagnóstico de transexualidade, tem de se fazer precisamente os testes necessários que atestem que não se sofre de nenhuma doença mental. Isto para depois se ser diagnosticado como sofrendo de disforia de género ou transtorno de identidade de género, que se encontra classificada como doença mental.
Os pontos discordantes que tenho em relação a este assunto começa logo por não considerar a comundade transexual como pertencente à comunidade transgénero. Não concordo nem aceito essa aglutinação que a maioria quer. Considero a transexualidade como específica demais para se encontrar misturada com especificidades que nada têm a ver com transexualidade. Isto não quer dizer per se que não apoio as reivindicações da comunidade transgénero. Longe disso. Só considero que a transexualidade deve estar à parte.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Não.
O segundo, e mais importante, é o facto de, despatologizando a transexualidade, correr-se o risco real de deixar de ser comparticipada pelos serviços de saúde de cada país. Basta pensar-se que a maioria dos países não comparticipa mesmo sendo considerada como doença, quanto mais deixando de ser considerada como tal. Em Portugal, por exemplo, com o presente governo de direita e com a crise que atravessamos, esse risco é bem real mesmo com a presente classificação como doença mental.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Sim.
Mas, por exemplo, alterando a classificação de doença mental para condição médica, resolve alguns problemas: deixa de haver o estigma da doença mental que, e apesar de um participante afirmar que o problema não está na doença mental mas na maneira como ela é estigmatizada pela população em geral e que se deve é educar a população, o facto é que o estigma existe e vai continuar a existir a médio e mesmo a longo prazo. Basta pensar-se na homossexualidade e como ainda é tão estigmatizada hoje em dia, apesar dos avanços conseguidos, para se ver que, embora a intenção seja boa, na prática não o é. Portanto seria uma solução a (muito) longo prazo, não o que se deseja que é uma solução a curto ou médio prazo.
Libertamo-nos da ditadura dos psiquiatras e psicólogos, que farão o seu papel de comprovar unicamente que uma pessoa se encontra com capacidade de tomar as suas próprias decisões, saindo debaixo da alçada de Zucker’s e Cª Lª e dos seus congéneres nacionais.
E continua-se e ter o direito inalienável à comparticipação do SNS.
Para mim esta é a melhor solução e é isto que defendo como despatologização da transexualidade. Mais, Sérgio Vitorino, numa das suas declarações, reforçou a ideia de que a campanha, apesar de mencionar despatologização, defende é a retirada da transexualidade do rol das doenças mentais.
Quando for claramente declarada esta solução como proposta da campanha, apoiá-la-ei imediatamente. Até lá, não apoio a campanha, embora apoie o seu espírito.
Outro ponto em que discordo da campanha é o discurso que implica a existência de outras identidades outsiders do binómio masculino/feminino (ou homem/mulher). Não aceito a existência destas supostas identidades.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Não.
Eu vejo este assunto da seguinte maneira: imagine-se dois pólos opostos, um o masculino/homem, outro o feminino/mulher. Entre eles existe, por exemplo, uma graduação que, imaginemos, vai de 0 a 100, sendo 0 um extremo e 100 o seu oposto. Entre eles existe uma infindável graduação onde cada pessoa cabe. Pessoas mais masculinas ou mais femininas colocar-se-ão entre os dois extremos. Não vejo necessidade de se estar a complicar mais com invenções de géneros alternativos porque as pessoas sentem-se mais posicionadas num lado do que o outro. Deixemos as coisas como estão, com dois géneros, que como se pode bem comprovar, já dão “água pela barba”.
Curiosamente uma pessoa que segundo entendi era mãe de uma pessoa transexual, defendeu a existência de mais géneros. E numa declaração bombástica, afirmou que as pessoas transexuais desejam as transformações corporais não por elas mesmas mas para os olhos da sociedade. Bem, a minha vontade foi levantar-me e dizer-lhe que se ela julgava que eu fazia tratamento hormonal para os seus lindos olhos bem podia tirar o cavalinho da chuva.
Esta declaração só me provou como é difícil a compreensão da transexualidade por parte de pessoas não transexuais, mesmo sendo progenitores de uma pessoa transexual e mesmo dando apoio a essa pessoa. Esta mãe não entende que as transformações corporais somos nós que as desejamos para nós, não para terceiros verem. Isto não obsta, evidentemente, que com as transformações venha o desejo de sermos reconhecidos do género a que sabemos pertencer. Eu digo até que este desejo existe mesmo sem transformações corporais.
O debate propriamente dito teve a seguinte fórmula: iniciou-se com algumas questões formuladas pela moderação aos oradores, uma pergunta a cada um, à vez. Este modo de se iniciar o debate teve, aliás, um problema - em cada questão formulada só se fica a saber a posição/opinião de um dos oradores.
É minha opinião que o debate devia ter sido feito noutros moldes: um início pela moderação explicando o que é a despatologização, uma breve história de como apareceu, e depois as perguntas deviam ter sido feitas aos oradores, mas a todos as mesmas perguntas, não uma pergunta diferente para cada orador.
Talvez por recearem falta de tempo, ou por qualquer outra razão, a opção foi de uma pergunta a cada orador. Bem, foi uma opção, não a que eu teria escolhido, mas foi a escolhida.
Sérgio Vitorino, pelas Panteras Rosa e assumindo o discurso pelos activistas, defendeu a despatologização. É uma posição já sobejamente conhecida das Panteras Rosa.
Paulo Côrte-Real, em representação do GRIT, defendeu a continuidade da psiquiatrização da transexualidade, por as pessoas transexuais terem problemas psicológicos pela transexualidade.
Perguntei-lhe se defendia o mesmo para as pessoas homossexuais que tenham problemas derivados da Homossexualidade, disse que sim. Ora a homossexualidade já deixou de ser considerada como doença. Isto não impede de modo nenhum que homossexuais com possíveis problemas de auto-aceitação, de auto-estima, ou outro problema qualquer derivado da homossexualidade tenham consultas.
Portanto, do mesmo modo, uma pessoa transexual na mesma situação, portanto com problemas derivados da transexualidade, também pode perfeitamente ter o mesmo tipo de acompanhamento sem necessidade nenhuma da transexualidade se encontrar classificada como doença mental.
E isto porquê? Porque nem a homossexualidade nem a transexualidade são doenças. Basta pensar-se que não há nenhum tratamento para a transexualidade, tal como para a homossexualidade. O que se trata são possíveis problemas advindos do facto de se ser transexual/homossexual (depressões, falta de auto-estima, etc.). Do mesmo modo não há nenhum teste clínico ou psiquiátrico que defina a pessoa como transexual/homossexual.
Qualquer pessoa pode verificar isto: o que se faz é ver se a pessoa tem algum problema psíquico. Quando não se tem e a pessoa continua a insistir que é, então deve ser. Isto é o que os psiquiatras fazem. Não tratam a transexualidade pois nada há a tratar. O diagnóstico é feito na base de não se ter nenhuma doença mental. Não se tem então ok, é transexual.
Esta abordagem sempre me pôs uma questão: porque razão não pode haver uma pessoa transexual com alguma doença psiquiátrica, tal como existem pessoas cissexuais com essas doenças? A transexualidade á alguma imunidade a outra qualquer doença psíquica?
O facto é que, e isto é prova de que os nossos psiquiatras e psicólogos não fazem ideia do que é a transexualidade, se alguma pessoa transexual tiver o azar de sofrer de alguma doença psíquica, vê os seus direitos imediatamente eliminados, bem como o seu reconhecimento e a sua identidade como pessoa transexual. Isto é grave, mas nunca se fala, é tabú.
Portanto a posição do GRIT é psiquiatrizante e estigmatizante. Não foi apresentado um argumento que não possa ser rebatido.
Gabriela Moita teve um discurso coerente com as suas ideias, embora, e de certeza com desagrado da moderação, tenha levantado mais questões do que muita gente esperava. Tal como eu disse a um elemento da moderação no Facebook, “tenho por costume questionar sempre tudo e todos, sejam a favor seja contra alguma coisa, mesmo questionando o que apoio. Não acho que existam verdades absolutas e inquestionáveis. E é graças a estas questões e às respostas dadas que vou formando a minha opinião.”, quando me acusaram de não ter um discurso coerente por, e cito, “Tanto te demonstras contra com toda a veemência, como te demonstras a favor. Tanto entras em conflito com quem está a favor, como com quem está contra... “
Bem, com a quantidade de questões formuladas por Gabriela Moita, a moderação deve ter ficado com algum amargo de boca, pois parece que não sou só eu a questionar.
Ana Matos Pires teve um discurso talvez um pouco ambíguo. Fiquei sem saber qual a sua posição em relação à despatologização. Tanto parecia que apoiava como que era contra. Ou então fui eu que não percebi. Se calhar aconteceu o mesmo que aconteceu comigo, não se percebe qual a minha posição.
Por falar nisso, em relação à psiquiatrização forçada (felizmente) não tenho uma posição ambígua: sou frontalmente contra. Quem sentir necessidade de ter consultas psiquiátricas deve ter. Mas forçarem quem não tem problemas com a sua transexualidade a anos e anos de consultas é um abuso e vai contra os direitos humanos das pessoas, seja pela transexualidade, seja por outra razão qualquer. Despsiquiatrização da transexualidade é, quiçá, mais importante do que a despatologização.
O Dr. Décio, na sua intervenção, veio novamente com o fantasma da comparticipação dos serviços de saúde (e seguradoras, embora que eu saiba as seguradoras em Portugal não cobrem este tema, mas sem certeza), no que concordo com ele, não concordando no entanto com a manutenção das coisas como estão, que me parece ser a posição dele. Atrás já defini qual a minha posição em relação a este assunto.
Houve também uma intervenção de uma pessoa transexual, que pelo que percebi defendia a manutenção da patologização e da psiquiatrização, mas que às tantas começou a confundir-se até que se calou. Foi esta a impressão com que fiquei da sua intervenção, não faço ideia se efectivamente defende estas posições ou se se explicou mal .
Este é um problema deste tipo de debates, fica muita coisa por questionar, as respostas a algumas perguntas ou intervenções levantam mais questões que ficam por responder e/ou esclarecer. Prefiro muito mais um debate em mailing lists, onde existe tempo para se questionar o que se quiser, tempo para se esgrimirem argumentos, não há limitações de deslocamentos, de espaços e pode-se responder ou questionar em qualquer altura.
Tive boas experiências desta maneira, em algumas mailing lists (bem, pelo menos numa, antes de se acabarem os debates na dita, que hoje em dia se encontra reduzida a anúncios de eventos e notícias (poucas). Mas isto são opiniões.
E penso ser tudo o que há a dizer sobre este debate. Os meus parabéns aos organizadores por (finalmente) trazerem este assunto para a ordem do dia.
Um lamento pela fraca assistência transexual num debate que penso ser importante para toda a comunidade (que eu tivesse contado estivémos meia-dúzia, mas não conheço toda a gente, obviamente) e que se desejava ter tido uma afluência transexual mais alargada.
Como se pode ver, a minha posição incoerente é a de não apoiar a despatologização da transexualidade por um único ponto (existem mais mas não são importantes o suficiente para não apoiar).
Quando considerar esse ponto resolvido (internacionalmente) vou ser incoerente mais uma vez a apoiar a despatologização da transexualidade.
Saudações incoerentes de uma transexual incoerente a quem leia este conjunto de incoerências.
Eduarda Santos, 17/18 de Julho de 2011
Nota: segundo informação da organização, Paulo Côrte-Real não representou o GRIT mas somente a sua pessoa, e Sérgio Vitorino também não representou as Panteras Rosa.
Volta e meia soa o rugido de uma rajada de vento demasiadamente fresco para esta época do ano. Estamos a 17 de Julho e o tempo devia estar substancialmente mais quente. Se calhar a classificação portuguesa das agências de rating tem mais implicações do que poderia parecer à primeira vista.
Estamos a 17 de Julho. Ontem, 16, um debate sobre a despatologização da transexualidade aconteceu no Centro LGBT em Lisboa, organizado pela rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, em colaboração com o GRIT - Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal.
Como oradores estiveram na mesa Sérgio Vitorino, das Panteras Rosa, Paulo Côrte-Real em representação do GRIT, a psiquiatra Ana Matos Pires e a psicóloga Gabriela Moita.
Como representantes da comunidade transexual (afinal era de transexualidade que se tratava) esteve... ninguém. Nem uma pessoa na mesa era transexual. Num debate que até é importante para a comunidade, a organização optou por silenciar as vozes transexuais e dar relevo à psiquiatrização. Nota negativa.
Nem a desculpa que me foi dada por um membro da organização, que “há uma componente científica neste debate” serve como desculpa, quando toda a gente sabe que os cientistas não fazem a menor ideia das causas da transexualidade, e a esmagadora maioria nem compreende o que é ser-se transexual.
Delirante mesmo foi a desculpa de não se encontrar nenhuma pessoa transexual na mesa: que “não existem pessoas trans suficientemente familiarizadas com o tema ou que possuam discurso coerente sobre o mesmo”. Obviamente que, com a quantidade de questões postas pelas oradoras Ana Pires e Gabriela Moita, que levantaram inúmeras questões sobre os mais variados aspectos interligados à despatologização, a intenção de exclusão por estes motivos como que “deu para o torto”.
Antes de comentar sobre o evento propriamente dito, sinto necessidade de expôr aqui a minha posição sobre o assunto, visto ter sido acusada por um elemento da organização de não ter “um discurso coerente sobre este tema” e de “nem sequer sei (o elemento) qual é realmente a tua (minha) posição sobre este assunto”.
É evidente que esta pessoa não acompanhou os debates via email que tive durante estes anos com inúmeras pessoas na mailing list das Panteras, nomeadamente com o Sérgio, mas também com muito mais gente que integra essa mailing list. Também não tem demonstrado interesse em debater comigo o assunto, portanto é natural que ignore a minha posição sobre o mesmo.
Esta conversa da despatologização da transexualidade iniciou-se há uns cinco, seis anos atrás com o início de uma campanha internacional denominada “STOP trans pathologization 2012”, destinada a excluir do rol das doenças mentais o transgenderismo e a transexualidade (como elemento integrante da comunidade transgénero). Este movimento cresceu ao longo do tempo, com várias associações e grupos transexuais, transgéneros, e LGBTs a aderirem ao mesmo. De um modo simples, consideram os integrantes da comunidade transgénero como tendo identidades próprias (identidades trans) podendo ou não estarem incluídas no binarismo de género (Masculino e feminino) defendendo a existência de mais géneros, e defendendo a exclusão destas identidades da classificação de patologias, específicamente da classificação de doenças psiquiátricas ou doenças mentais. Quem desejar saber mais sobre o assunto, contacte as Panteras Rosa.
Portanto é a partir deste movimento que se começou a falar sobre despatologização.
Na teoria, tal como Gabriela Moita explicou no debate, qualquer pessoa deve ter o direito à sua auto-determinação e a auto-afirmar-se como pertencente a um qualquer género, desde que comprove encontrar-se na plena posse das suas faculdades mentais. Quer isto dizer desde que não sofra de qualquer doença mental inibidora da sua capacidade de tomar decisões. Isto é evidente. E por consequência faz todo o sentido a retirada da transexualidade do rol das doenças mentais.
Basta pensar-se que, presentemente, para se obter um diagnóstico de transexualidade, tem de se fazer precisamente os testes necessários que atestem que não se sofre de nenhuma doença mental. Isto para depois se ser diagnosticado como sofrendo de disforia de género ou transtorno de identidade de género, que se encontra classificada como doença mental.
Os pontos discordantes que tenho em relação a este assunto começa logo por não considerar a comundade transexual como pertencente à comunidade transgénero. Não concordo nem aceito essa aglutinação que a maioria quer. Considero a transexualidade como específica demais para se encontrar misturada com especificidades que nada têm a ver com transexualidade. Isto não quer dizer per se que não apoio as reivindicações da comunidade transgénero. Longe disso. Só considero que a transexualidade deve estar à parte.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Não.
O segundo, e mais importante, é o facto de, despatologizando a transexualidade, correr-se o risco real de deixar de ser comparticipada pelos serviços de saúde de cada país. Basta pensar-se que a maioria dos países não comparticipa mesmo sendo considerada como doença, quanto mais deixando de ser considerada como tal. Em Portugal, por exemplo, com o presente governo de direita e com a crise que atravessamos, esse risco é bem real mesmo com a presente classificação como doença mental.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Sim.
Mas, por exemplo, alterando a classificação de doença mental para condição médica, resolve alguns problemas: deixa de haver o estigma da doença mental que, e apesar de um participante afirmar que o problema não está na doença mental mas na maneira como ela é estigmatizada pela população em geral e que se deve é educar a população, o facto é que o estigma existe e vai continuar a existir a médio e mesmo a longo prazo. Basta pensar-se na homossexualidade e como ainda é tão estigmatizada hoje em dia, apesar dos avanços conseguidos, para se ver que, embora a intenção seja boa, na prática não o é. Portanto seria uma solução a (muito) longo prazo, não o que se deseja que é uma solução a curto ou médio prazo.
Libertamo-nos da ditadura dos psiquiatras e psicólogos, que farão o seu papel de comprovar unicamente que uma pessoa se encontra com capacidade de tomar as suas próprias decisões, saindo debaixo da alçada de Zucker’s e Cª Lª e dos seus congéneres nacionais.
E continua-se e ter o direito inalienável à comparticipação do SNS.
Para mim esta é a melhor solução e é isto que defendo como despatologização da transexualidade. Mais, Sérgio Vitorino, numa das suas declarações, reforçou a ideia de que a campanha, apesar de mencionar despatologização, defende é a retirada da transexualidade do rol das doenças mentais.
Quando for claramente declarada esta solução como proposta da campanha, apoiá-la-ei imediatamente. Até lá, não apoio a campanha, embora apoie o seu espírito.
Outro ponto em que discordo da campanha é o discurso que implica a existência de outras identidades outsiders do binómio masculino/feminino (ou homem/mulher). Não aceito a existência destas supostas identidades.
Este ponto é per si só relevante o suficiente para o não apoio da campanha? Não.
Eu vejo este assunto da seguinte maneira: imagine-se dois pólos opostos, um o masculino/homem, outro o feminino/mulher. Entre eles existe, por exemplo, uma graduação que, imaginemos, vai de 0 a 100, sendo 0 um extremo e 100 o seu oposto. Entre eles existe uma infindável graduação onde cada pessoa cabe. Pessoas mais masculinas ou mais femininas colocar-se-ão entre os dois extremos. Não vejo necessidade de se estar a complicar mais com invenções de géneros alternativos porque as pessoas sentem-se mais posicionadas num lado do que o outro. Deixemos as coisas como estão, com dois géneros, que como se pode bem comprovar, já dão “água pela barba”.
Curiosamente uma pessoa que segundo entendi era mãe de uma pessoa transexual, defendeu a existência de mais géneros. E numa declaração bombástica, afirmou que as pessoas transexuais desejam as transformações corporais não por elas mesmas mas para os olhos da sociedade. Bem, a minha vontade foi levantar-me e dizer-lhe que se ela julgava que eu fazia tratamento hormonal para os seus lindos olhos bem podia tirar o cavalinho da chuva.
Esta declaração só me provou como é difícil a compreensão da transexualidade por parte de pessoas não transexuais, mesmo sendo progenitores de uma pessoa transexual e mesmo dando apoio a essa pessoa. Esta mãe não entende que as transformações corporais somos nós que as desejamos para nós, não para terceiros verem. Isto não obsta, evidentemente, que com as transformações venha o desejo de sermos reconhecidos do género a que sabemos pertencer. Eu digo até que este desejo existe mesmo sem transformações corporais.
O debate propriamente dito teve a seguinte fórmula: iniciou-se com algumas questões formuladas pela moderação aos oradores, uma pergunta a cada um, à vez. Este modo de se iniciar o debate teve, aliás, um problema - em cada questão formulada só se fica a saber a posição/opinião de um dos oradores.
É minha opinião que o debate devia ter sido feito noutros moldes: um início pela moderação explicando o que é a despatologização, uma breve história de como apareceu, e depois as perguntas deviam ter sido feitas aos oradores, mas a todos as mesmas perguntas, não uma pergunta diferente para cada orador.
Talvez por recearem falta de tempo, ou por qualquer outra razão, a opção foi de uma pergunta a cada orador. Bem, foi uma opção, não a que eu teria escolhido, mas foi a escolhida.
Sérgio Vitorino, pelas Panteras Rosa e assumindo o discurso pelos activistas, defendeu a despatologização. É uma posição já sobejamente conhecida das Panteras Rosa.
Paulo Côrte-Real, em representação do GRIT, defendeu a continuidade da psiquiatrização da transexualidade, por as pessoas transexuais terem problemas psicológicos pela transexualidade.
Perguntei-lhe se defendia o mesmo para as pessoas homossexuais que tenham problemas derivados da Homossexualidade, disse que sim. Ora a homossexualidade já deixou de ser considerada como doença. Isto não impede de modo nenhum que homossexuais com possíveis problemas de auto-aceitação, de auto-estima, ou outro problema qualquer derivado da homossexualidade tenham consultas.
Portanto, do mesmo modo, uma pessoa transexual na mesma situação, portanto com problemas derivados da transexualidade, também pode perfeitamente ter o mesmo tipo de acompanhamento sem necessidade nenhuma da transexualidade se encontrar classificada como doença mental.
E isto porquê? Porque nem a homossexualidade nem a transexualidade são doenças. Basta pensar-se que não há nenhum tratamento para a transexualidade, tal como para a homossexualidade. O que se trata são possíveis problemas advindos do facto de se ser transexual/homossexual (depressões, falta de auto-estima, etc.). Do mesmo modo não há nenhum teste clínico ou psiquiátrico que defina a pessoa como transexual/homossexual.
Qualquer pessoa pode verificar isto: o que se faz é ver se a pessoa tem algum problema psíquico. Quando não se tem e a pessoa continua a insistir que é, então deve ser. Isto é o que os psiquiatras fazem. Não tratam a transexualidade pois nada há a tratar. O diagnóstico é feito na base de não se ter nenhuma doença mental. Não se tem então ok, é transexual.
Esta abordagem sempre me pôs uma questão: porque razão não pode haver uma pessoa transexual com alguma doença psiquiátrica, tal como existem pessoas cissexuais com essas doenças? A transexualidade á alguma imunidade a outra qualquer doença psíquica?
O facto é que, e isto é prova de que os nossos psiquiatras e psicólogos não fazem ideia do que é a transexualidade, se alguma pessoa transexual tiver o azar de sofrer de alguma doença psíquica, vê os seus direitos imediatamente eliminados, bem como o seu reconhecimento e a sua identidade como pessoa transexual. Isto é grave, mas nunca se fala, é tabú.
Portanto a posição do GRIT é psiquiatrizante e estigmatizante. Não foi apresentado um argumento que não possa ser rebatido.
Gabriela Moita teve um discurso coerente com as suas ideias, embora, e de certeza com desagrado da moderação, tenha levantado mais questões do que muita gente esperava. Tal como eu disse a um elemento da moderação no Facebook, “tenho por costume questionar sempre tudo e todos, sejam a favor seja contra alguma coisa, mesmo questionando o que apoio. Não acho que existam verdades absolutas e inquestionáveis. E é graças a estas questões e às respostas dadas que vou formando a minha opinião.”, quando me acusaram de não ter um discurso coerente por, e cito, “Tanto te demonstras contra com toda a veemência, como te demonstras a favor. Tanto entras em conflito com quem está a favor, como com quem está contra... “
Bem, com a quantidade de questões formuladas por Gabriela Moita, a moderação deve ter ficado com algum amargo de boca, pois parece que não sou só eu a questionar.
Ana Matos Pires teve um discurso talvez um pouco ambíguo. Fiquei sem saber qual a sua posição em relação à despatologização. Tanto parecia que apoiava como que era contra. Ou então fui eu que não percebi. Se calhar aconteceu o mesmo que aconteceu comigo, não se percebe qual a minha posição.
Por falar nisso, em relação à psiquiatrização forçada (felizmente) não tenho uma posição ambígua: sou frontalmente contra. Quem sentir necessidade de ter consultas psiquiátricas deve ter. Mas forçarem quem não tem problemas com a sua transexualidade a anos e anos de consultas é um abuso e vai contra os direitos humanos das pessoas, seja pela transexualidade, seja por outra razão qualquer. Despsiquiatrização da transexualidade é, quiçá, mais importante do que a despatologização.
O Dr. Décio, na sua intervenção, veio novamente com o fantasma da comparticipação dos serviços de saúde (e seguradoras, embora que eu saiba as seguradoras em Portugal não cobrem este tema, mas sem certeza), no que concordo com ele, não concordando no entanto com a manutenção das coisas como estão, que me parece ser a posição dele. Atrás já defini qual a minha posição em relação a este assunto.
Houve também uma intervenção de uma pessoa transexual, que pelo que percebi defendia a manutenção da patologização e da psiquiatrização, mas que às tantas começou a confundir-se até que se calou. Foi esta a impressão com que fiquei da sua intervenção, não faço ideia se efectivamente defende estas posições ou se se explicou mal .
Este é um problema deste tipo de debates, fica muita coisa por questionar, as respostas a algumas perguntas ou intervenções levantam mais questões que ficam por responder e/ou esclarecer. Prefiro muito mais um debate em mailing lists, onde existe tempo para se questionar o que se quiser, tempo para se esgrimirem argumentos, não há limitações de deslocamentos, de espaços e pode-se responder ou questionar em qualquer altura.
Tive boas experiências desta maneira, em algumas mailing lists (bem, pelo menos numa, antes de se acabarem os debates na dita, que hoje em dia se encontra reduzida a anúncios de eventos e notícias (poucas). Mas isto são opiniões.
E penso ser tudo o que há a dizer sobre este debate. Os meus parabéns aos organizadores por (finalmente) trazerem este assunto para a ordem do dia.
Um lamento pela fraca assistência transexual num debate que penso ser importante para toda a comunidade (que eu tivesse contado estivémos meia-dúzia, mas não conheço toda a gente, obviamente) e que se desejava ter tido uma afluência transexual mais alargada.
Como se pode ver, a minha posição incoerente é a de não apoiar a despatologização da transexualidade por um único ponto (existem mais mas não são importantes o suficiente para não apoiar).
Quando considerar esse ponto resolvido (internacionalmente) vou ser incoerente mais uma vez a apoiar a despatologização da transexualidade.
Saudações incoerentes de uma transexual incoerente a quem leia este conjunto de incoerências.
Eduarda Santos, 17/18 de Julho de 2011
Nota: segundo informação da organização, Paulo Côrte-Real não representou o GRIT mas somente a sua pessoa, e Sérgio Vitorino também não representou as Panteras Rosa.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home