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quarta-feira, agosto 31, 2011

Comunicado do grupo Transexual Portugal sobre o artigo de opinião "Igualdade de género ou falsa identidade" do jornal Público


No dia 29 deste mês, o jornal Público, na sua edição em papel, publicou um artigo de opinião, transcrito de seguida a fim de informar quem não o leu.


Igualdade de género ou falsa identidade
por Gonçalo Portocarrero de Almada
Se se permite, tão facilmente e totalmente grátis, a mudança de género, por que não também a de espécie?

Quem viveu conscientemente o 25 de Abril, talvez ainda conserve, entre outras recordações, a lembrança de uma canção revolucionária em que, a páginas tantas, se badalava:“ Uma gaivota, voava, voava, asas de vento, coração de mar. Como ela, somos livres, somos livres de voar”.

Como nunca mais ouvi aquela melodiosa voz, temi que, embalada por um tão sugestivo texto, a dita cançonetista tivesse mesmo voado para parte incerta. Ou que,tendo desafiado as leis da gravidade, a experiência lhe tivesse sido fatal. Felizmente nenhuma destas aziagas hipóteses se confirmou, pelo que é de supor que ainda esteja disponível para ser de novo a voz do PREC, ou seja, do processo revolucionário em curso. A sua histórica balada é, com efeito, um magnífico hino à nova e subversiva política da identidade de género em que o anterior Governo, à falta de mais urgente e necessária reforma social, tão entusiasticamente se empenhou, depois de ter empenhado, com indiscutível êxito, o país.

Entende-se modernamente que a identidade pessoal não deve ser aferida por circunstâncias objectivas, como eram antigamente o sexo, a idade, a altura e o peso, mas sim por um acto libérrimo da vontade de cada qual. Assim, se um macho quer ser ofi ialmente fêmea, o Estado obedece ao capricho do cidadão e falsifica, a seu bel-prazer, o respectivo registo de identidade. Portanto, pela mesma razão, se uma septuagenária, de um metro de estatura e pesando cinco arrobas, quiser ser oficialmente uma menina de vinte anos, de um metro e setenta e quarenta quilos, também deveria poder sê-lo, se de facto se sente tão jovem, alta e leve quanto o dito
sujeito se acha feminino. Ou será que o faz-de-conta é válido para o sexo, mas já não para a idade, a altura e o peso?

Mas, se se permite, tão facilmente e totalmente grátis, a mudança de género, por que não também a de espécie?! Se o sexo já não é algo objectivo e predeterminado geneticamente, por que o há-de ser a natureza? Se a mulher pode “virar” homem e vice-versa, por uma simples declaração de vontade, por que não pode ser alguém, como Fernão Capelo, gaivota?!

Quem não gostaria de obter, oficialmente, o estatuto jurídico de ave protegida?! Não passarinho, que releva alguma inferioridade, nem passarão, que sugere algum governante ou administrador de empresa pública, mas pássaro, como a gaivota da canção, para ser livre, livre de voar! Para além da isenção de impostos e a inimputabilidade penal, a condição aviária tem grandes vantagens também ao nível da viação que, neste caso, passa a ser, muito propriamente, aviação.

A estas e outras razões gerais tenho a acrescentar umagratificante experiência pessoal quase-aviária. No ano passado, ao sofrer um acidente, tive que esperar pela ambulância, no lugar do sinistro, cerca de uma hora. Porém, quando na urgência do hospital me colocaram uma pulseira colorida, fui logo objecto dos mais extremosos e diligentes cuidados médicos. Enquanto ser humano, mereci pouca atenção, mas assim que, graças à bendita anilha, me confundiram com uma ave, beneficiei de imediato da principesca protecção dispensada às espécies em vias de extinção. Uma pessoa pode ser negligenciada e até impunemente morta antes de nascer, mas um animal protegido não pode ser maltratado. Moral da história: humano nunca mais! Ser ave é que está a dar!

Um slogan revolucionário exigia: 25 de Abril sempre! Não chegámos a tanto, mas, de certo modo, pode-se dizer que agora, graças à famigerada igualdade de género, todos os dias são dias de 1 de Abril, porque são dias de mentiras. Talvez não fosse despropositado criar um dia
anual da verdade, em que cada qual, mais por via de excepção do que por regra, seja, muito originalmente, o que de facto é.

Licenciado em Filosofia e vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Família”


O grupo Transexual Portugal vem por este meio demonstrar o seu mais profundo repúdio pelas diatribes e falsas presunções escritas pelo autor Gonçalo Portocarrero de Almada no referido artigo de opinião.
 
Com efeito este senhor demonstra uma total ignorância sobre o assunto que foca. Parece ignorar que, para se aceder à alteração de nome e género na documentação oficial, a pessoa transexual tem de passar por uma infinidade de exames exaustivos durante muito mais tempo do que se pensa ou se quer fazer acreditar. Portanto, ao alterar o seu nome e género encontra--se apoiada num diagnóstico exaustivo e não num qualquer acto subversivo de um qualquer governo.
 
E já que foca o assunto, esse senhor ainda não reparou que o estado em que o país chegou se deve não tanto aos sucessivos governos que tivémos (PSD e PS) mas mais a um ataque concertado ao Euro? Espanta que um licenciado em filosofia não tenha reparado numa tal evidência.
 
Mais demonstra de seguida uma total ignorância e compreensão do que é a identidade de género e do seu papel como parte determinante no género de cada ser humano. Troca os valores, pois efectivamente é antes da mudança que a identidade é uma "falsificação".
 
Também confunde a identidade de género com masoquismo, pois uma pessoa que "por capricho" deseje tal mudança para passar o resto da vida a "levar" com "brindes" deste tipo e outras discriminações e mesmo ofensas psicológicas e à sua integridade física só pode ser masoquista mesmo. Portanto a afirmação do "capricho" é bem demonstrativa desta confusão e da ignorância que tem sobre o assunto. É que a identidade de género não é escolha nenhuma, logo não pode ser capricho.
 
Percebe-se bem a razão deste tipo de discurso, nomeadamente o saudosismo expresso embora de forma encoberta, pelos idos tempos de antes do 25 de Abril, quando se sabe que a pessoa em causa é padre, pormenor que se esqueceu de mencionar. E como se sabe, a Igreja tinha um papel relevante de apoio ao regime, com fábulas que indicavam que quase mais valia ser pobre do que ser-se rico. E como se sabe, com os constantes e ininterruptos casos de pedofilia no seio da dita, qualquer representante dessa instituição tem pouca moral para criticar ou ajuizar.
 
Isto a juntar aos factos da instituição ter ajudado criminosos nazis, no final da 2ª Guerra Mundial, a escaparem ao julgamento dos seus crimes, fornecendo documentação falsa a muitos que fugiram para a América do Sul, nomeadamente Argentina. Isto põe em dúvida a moral de qualificarem algo como "falsidades". Como se costuma dizer "quem tem telhados de vidro não atira pedras ao céu".
 
Tal como o autor, lamenta-se que não se possa mudar de espécie. Não que este senhor tivesse alguma espécie que o desejasse acolher, mas por ter de dividir a humanidade com pessoas deste calibre. Mas diga-se em abono da verdade que, pelo menos na imputabilidade e nos impostos quem assim fala encontra-se em muito melhor posição que a restante população portuguesa, não precisa ser pássaro para isso. Porque pássaro engloba inúmeras espécies e ainda podia acontecer que, em vez de se ser um Fernão Capelo gaivota podia ser-se um abutre.
 
Curiosamente mesmo as espécies de aves protegidas são mortas antes de nascerem, portanto ainda no ovo, entenda-se. Por outros predadores e mesmo por outras aves. Aconselhava este senhor a ver mais documentários sobre a natureza, não são difíceis de encontrar, ao fim de semana na SIC e nos canais por cabo da National Geographic e Odisseia.
 
Remata com uma alusão à igualdade de género que compara a uma mentira. Logo, como bom representante da instituição a que pertence, nega às mulheres os mesmos direitos que detêm os homens. Com efeito, e sem nenhuma razão plausível, é negado às mulheres, por exemplo, o direito do sacerdócio. Portanto obviamente que este senhor não pode aceitar a igualdade de géneros. Nem devia desejar um dia da verdade. Podia ser descoberto como um preconceituoso, cheio de ódio, mentalmente incapaz de acompanhar o evoluir dos tempos e das descobertas científicas, um verdadeiro saudosista do antigamente.
 
O grupo Transexual Portugal lamenta também que este tipo de pessoas tenha voz num jornal com a qualidade a que nos habituou o jornal Público. Considera que este tipo de discurso não contribui em nada para a manutenção dos níveis de qualidade a que esta publicação nos habituou. Muito pelo contrário, discursos deste tipo, que nada mais fazem do que expôr as limitações mentais, desconhecimento e preconceitos de quem os escreve não são dignos deste jornal, sendo mais indicados para pasquins ou boletins de grupos de extrema direita, nunca para um jornal que tem primado por uma isenção exemplar.
 
Pelo grupo Transexual Portugal
Eduarda Santos e Lara Crespo

(A intenção original era enviar este Comunicado como Direito de Resposta para o jornal “Público”, mas visto que este não possui uma alternativa de envio electrónico, limitando-se a ter um endereço normal de correio, este Comunicado vai ser sómente distribuido por via electrónica.)