Transfofa em Blog

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sexta-feira, junho 05, 2015

Futebol e legitimidades

Estive a ver uma reportagem sobre a homossexualidade no futebol, na RTP1. Programa Linha da Frente de 30 de Maio de 2015, com o título Fora de Jogo: A homossexualidade no futebol. (http://www.rtp.pt/play/p1764/linha-da-frente)

E fiquei chocada. Quer dizer, chocada também não, não exageremos, mas não gostei.

Não sobre a reportagem em si, achei-a boa no geral, talvez demasiado demorada no futebol inglês, e com as lamentáveis recusas de depoimentos das instâncias futebolísticas nacionais e de dois clubes do topo nacional, o Benfica e o Porto (parabéns ao Sporting, pelo menos falou), revelando o muito que ainda há a fazer na luta contra a homofobia no desporto.

Não, o que me indignou foi a declaração do inevitável Côrte-Real, que não se cansou de mencionar a identidade de género (IG) no seu depoimento.

Primeiro, a reportagem era sobre homofobia, não transfobia, portanto não se percebe porque carga de água a IG tinha de ser mencionada, salvo se para perpetuar a ligação IG-homossexualidade tão querida dos media e consequentemente da população nacional, em vez de informar que orientação sexual e identidade de género focam dois aspectos diferentes da diversidade humana.

Esse estigma que confunde os dois aspectos foi bem evidenciado numa das declarações de Paulo Futre que, segundo declarou, teve um colega no Marselha que vivia com um “travesti”. Duvido que Futre tenha andado a espiolhar a genitália da mulher trans a que se referia, portanto a declaração que era “travesti” concerteza referia-se a todas as mulheres trans existentes que para ele devem ser todas travestis. E por associação de ideias uma mulher trans, portanto homossexual, só pode ter como companheiro quem? Um homossexual, pois claro.

E não focaram o problema de uma pessoa trans se assumir como atleta (já nem digo como futebolista). Se com a homossexualidade é o que é, imaginem com ser-se trans.

Segundo, desde que a ILGA Portugal (e Côrte-Real esteve lá metido na altura, embora não fosse presidente da associação, tal como Miguel Vale de Almeida também esteve e defendendo a posição assumida) combinou com deputados do PS a inclusão da orientação sexual no artº 13º da Constituição Portuguesa em troca do abandono da inclusão da IG no mesmo artigo, perdeu qualquer legitimidade de falar em nome da comunidade T.

Chegaram mesmo a retirarem a representante Trans na altura, a saber-se Jo Bernardo, quando compreensivelmente não concordou com a posição assumida nas negociações. Ao expulsarem a representante T, foi como se expulsassem a comunidade T, visto ser ela, na altura, quem a representava. Portanto uma facada nas costas da “inclusão” T na sigla LGBT.

Mesmo desde essa altura, a mesma associação tem assumido posições contrárias à vontade da população T, como ficou bem demonstrado na audição parlamentar, onde a população T se posicionou contra a patologização das identidades Trans, enquanto a Ilga Portugal se tem posicionado pela patologização das mesmas.

Ultimamente parece haver uma vontade de mudança, mas ainda é pouco clara para que se lhe dê crédito.

Mas enquanto a ILGA Portugal não assumir publicamente que atraiçoou a comunidade T nessa altura, e pedir publicamente desculpas à comunidade e a Jo Bernardo, continuará sem ter qualquer espécie de legitimidade para falar em nosso nome.

Pode fazer grupos, como o Grit, pode lançar comunicados de apoio às diversas leis que vão saindo no mundo, pode organizar debates sobre o tema, pode até trazer cá activistas (como fez com Carla Antonelli), que tudo não passará de acções hipócritas destinadas a dar uma falsa imagem de inclusão da comunidade T numa agenda gay.

E, num qualquer dia futuro, numa qualquer reivindicação futura, quem nos garante que não tornarão a trocar uma qualquer comunidade (ou mesmo a T outra vez) por uma qualquer reivindicação? Já o fizeram e a história tem tendência a repetir-se.