Vou começar este comentário (pois é um comentário a um post no blog das Panteras Rosa) por contradizer algumas afirmações iniciais. Em primeiro lugar, o post é referente à psiquiatrização forçada das pessoas Transexuais, eventualmente Intersexuais e/ou Andróginas. Porque não conheço casos de Travestis, Cross-dressers ou Drags que tenham de passar por algum tipo de psiquiatrização forçada. Portanto, esta psiquiatrização não se aplica a toda a misturada incluída no termo Trans, como está a ser usado no post. Aliás, uma corrente que está a ganhar muita força nos states é precisamente a definição de Trans unicamente como Transexuais.
Também, e tal como a comunidade Intersexual anda a fazer lá por fora já há bastante tempo de separarem o I do T que significa Transgénero (isto sem prejuízo de qualquer luta comum por quaisquer direitos necessários a qualquer comunidade LGBTTI) não percebo a relutância de se separar o T (Transexual) do T (Transgénero). Afinal, a Transexualidade não tem nada a ver com qualquer das outras comunidades (sendo até que existirão mais afinidades com os Intersexuais), é uma coisa completamente diferente e única. Logo, para se evitarem confusões desnecessárias da parte de pessoas desconhecedoras do assunto, será do senso comum separar estes Ts.
Fala-se de, por exemplo, "ser Trans e não se querer operar". Mas o que é ser Trans? Se se fôr Travesti, é obvio que não se vão querer operar, nem realizarem mudanças no seu corpo, pois a sua Identidade de Género é masculina e não a oposta ao seu corpo. Caso queiram fazer algo, por motivos profissionais, bem, aí farão como quem se quer tatuar, arranjam o dinheiro e vão a um médico no privado e fazem-no. Não precisam de nenhuma psiquiatrização forçada para isso. Obviamente que o SNS terá que reservar as comparticipações para quem tenha uma Identidade de Género oposta ao seu corpo, ou quem tenha características dos dois sexos (visíveis ou não). Se as listas de espera já são o que são, imaginem um monte de pessoas a constantemente andarem a aumentar/diminuir próteses, etc. Era o caos completo. Talvez num mundo ideal até fosse possível, mas neste e aqui não o é. Não se pode perder o sentido das realidades.
Por outro lado, afirmações como "quem concorda com a psiquiatrização aceita ser doente" é imbecil, absurda e falaciosa. Que os "psis" detêm poder a mais sobre os processos hoje, é uma realidade que toda a gente conhece. Que se lute por uma diminuição justa desse poder, é uma necessidade imperativa. Que se liberte totalmente a necessidade de, no mínimo, uma espécie de rastreio a determinadas doenças mentais que podem (e já têm sido) ser confundidas com Transexualidade, é uma estupidez. Um caso que publiquei no meu blog há uns tempos: Uma mulher norte-americana bio foi a um cirurgião plástico para que este lhe retirasse o peito, no que foi atendida. Algum tempo depois, arrependida, processou o médico por este não ter visto que estava com uma depressão major e não a ter feito ir a um psiquiatra. É por causa de casos deste tipo (e doutros) que não se deverá NUNCA afastar completamente a parte psi. Como Transexual, não estou interessada em ter cenas destas na consciência por uma questão de rapidez. Posso perfeitamente esperar uns meses mais. Mas vou de consciência tranquila.
Outra coisa que parece que ainda ninguém compreendeu: a Transexualidade não é um terceiro género, nem uma separação do binarismo. Quem é Transexual pertence a um dos géneros do binarismo, ou é um Transexual masculino ou uma Transexual feminina. Na Transexualidade não há meios-termos. Casos em que as pessoas não se identifiquem com um dos dois, será Androginia ou outra coisa qualquer. Transexualidade não é, de certeza. E aí não serei eu a demandar algo por eles, sejam quem forem. Se essa comunidade o desejar, que reivindique. Eu apoiarei (ou não, tenho livre arbítrio). Mas não serei eu, uma Transexual, a falar ou a pretender falar por situações que desconheço e/ou que não as sinto.
(Um pequeno aparte: Dois anos antes da revolta de Stonewall, houve uma primeira revolta, cuja notícia foi abafada e que foi relegada para o esquecimento. Em Agosto de 1966, em San Francisco, num café que estava aberto toda a noite, de nome Comptons, um grupo Transgénero que o frequentava revoltou-se contra a discriminação a que estavam diariamente sujeitos, especialmente por parte das forças policiais.) Fala-se muito (talvez demais?) sobre Stonewall e muito pouco (talvez pouco demais) sobre a revolta de Compton (como ficou conhecida). Inveja?
Outra asneirada muito comum é a afirmação de que "o mal estar das pessoas transexuais com o seu corpo resulta (...) do condicionamento social quanto às construções do masculino e do feminino". Desde quando uma mulher ter seios é uma imposição da sociedade? Absurdo, e sem defesa possível, a não ser devida a uma total incompreensão do que sentem as pessoas Transexuais. Querer fazer-se a CRS por uma questão social? Eh pá, toda a gente sabe que existem Transexuais que NÃO NECESSITAM de se submeter a uma cirurgia demorada, perigosa e de longa recuperação.
Bem, ninguém terá nunca o direito de falar por toda uma comunidade e reivindicar para essa mesma comunidade "direitos" que a própria não aceita, não deseja e não aceita. Tal como eu NUNCA aceitarei ser tratada como Travesti, a grande maioria da comunidade Transexual também não o aceita. Nós não somos Travestis, nem Cds, nem Intersexuais, nem Andróginos. Somos Transexuais, ponto. Podemos (e devemos) apoiar-nos e lutarmos em conjunto. Mas que acabem as confusões. Nem sequer iremos aceitar que nos queiram impôr contra a nossa vontade terminologias com as quais não concordamos nem aceitamos. Para isso já bastam alguns "psis" que não acompanham o evoluir dos tempos. Não precisamos que, em nome de um progressismo, venham aumentar a confusão de conceitos já existente.
Concordem ou não, terão de se conformar com a opinião dessa comunidade, seja ela qual for. Estaremos sempre prontos a lutar ao lado seja de quem for contra tudo que for injusto. Mas não nos tentem impor pontos de vista á força. Temos uma voz, que espero que cresça com o tempo, e é essa voz que pensará por si mesma. Ouvirá as várias opiniões e fará as suas escolhas. Mas imposições forçadas, pah, para isso já temos o SNS.
Ainda havia mais para dizer, mas penso que já vai longo este comentário e vou ficar por aqui...
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