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sexta-feira, fevereiro 26, 2010


Comunicado de imprensa 24-02-2010

PANTERAS ROSA - FRENTE DE COMBATE À LESBIGAYTRANSFOBIA

Quatro anos depois do assassinato da transsexual Gisberta Salce Júnior
Tudo na mesma.

Completam-se amanhã quatro anos desde que foi encontrado o corpo de Gisberta, transsexual, toxicodependente, seropositiva, prostituta e imigrante brasileira, que sucumbiu a três dias de tortura e sevícias sexuais e posterior afogamento, ao ser lançada a um poço por um bando de rapazes no Porto. Ficou até hoje na memória colectiva um crime que "chocou o País". E, no entanto, parece não ser verdade: um país chocado, é um País que reage e previne. E não foi assim.

O problema está em que o referido "choque" não se estendeu à perda de uma vida, à exclusão social extrema em que esta vítima mortal estava encurralada, e sobre a qual, um ano depois, praticamente nenhuma intervenção teve lugar, e nada de concreto se alterou. O País pode acertar os relógios e continuar a contar os dias até à próxima Gisberta, talvez menos mediática mas nem por isso menos certa, como comprovou o assassinato, e posterior abadono num contentor de lixo, dois anos depois, de uma mulher transexual, desta vez em Lisboa, um caso ainda hoje por solucionar.

Quatro anos depois, a protecção legal de pessoas como Gisberta continua inexistente, e as condições de marginalização de grande parte da população transsexual continuam intocadas porque os decisores políticos e o Estado continuam a fugir às suas responsabilidades. Reivindicações como:

- a inclusão da proibição de discriminação em função da Identidade de Género no artigo 13º da CRP

- uma Lei de Identidade de Género que permita às pessoas trans alterar os seus documentos de acordo com o género assumido, melhorando amplamente as suas oportunidades de acesso ao emprego

- a retirada da transexualidade da lista de doenças mentais sem perda do direito à comparticipaçã o estatal e aos tratamentos no Sistema Nacional de Saúde, à semelhança do que acaba de ser aprovado em França...

, são direitos básicos que continuam sem eco junto dos partidos políticos

Por outro lado, num país campeão da violência sobre menores, o sistema de "guarda e protecção de menores" continua sem medidas de reforma para que seja mais do que um armazém de crianças e jovens, das quais metade entregues a instituições religiosas, sem contexto emocional ou educativo e onde se misturam crianças protegidas das suas famílias com outras institucionalizadas por cometerem crimes.

Nada se fez para limitar o impacto da exclusão social da maioria da população transsexual. A primeira violência de que esta é vítima, é institucional e legal.

Numa altura em que se o país ainda debate o casamento entre pessoas do mesmo sexo, lembremos que em Portugal ainda estamos na fase de debater medidas que poderiam significar a diferença entre a vida e a morte.

E, no entanto, mesmo que prejudicados/ as pela inacção dos responsáveis políticos, e pelo preconceito e pela violência, não somos vítimas, mas sim pessoas, que exigem plenos direitos e o direito a uma vida digna - o direito a viver - e não admitem esperar pelos ritmos lentos da mudança de mentalidades na classe política para exigir o respeito pelos Direitos Humanos para todos e todas.

PANTERAS ROSA - FRENTE DE COMBATE À LESBIGAYTRANSFOBIA
www.panterasrosa. com
www.panterasrosa. blogspot. com


[Portugal]
Gisberta/assassinato: Quatro anos depois protecção legal "continua inexistente" - Panteras Rosa
Quatro anos depois do assassinato da transsexual Gisberta Salce Júnior está "tudo na mesma" e a protecção legal "continua inexistente", denuncia a associação Panteras Rosa.
Em comunicado, as Panteras Rosa-Frente de Combate à Lesbigaytransfobia referem que "um ano depois" do crime "praticamente nenhuma intervenção teve lugar, e nada de concreto se alterou".
Quatro anos depois protecção legal "continua inexistente"
Transexual assassinada há 4 anos: «Está tudo na mesma»

Transexual assassinada há 4 anos: «Está tudo na mesma»
Quatro anos depois de homicídio de Gisberta, protecção legal "continua inexistente"



Quatro anos depois de Gisberta, transexual feminina assassinada no Porto depois de ter sido torturada barbaramente durante três dias, e dois anos depois de Luna, transexual feminina assassinada e abandonada num contentor de lixo em Lisboa, as marcas do tempo deixam a sua marca.

Salvo por um comunicado de imprensa emitido pelas Panteras Rosa, o esquecimento por estes dois casos é flagrante, tanto pela parte das associações e/ou grupos, como pelos partidos políticos, e pela comunidade transexual portuguesa (in)existente.

Da parte das associações, nada de anormal este tipo de atitudes. A transexualidade continua a ser considerada como "bastarda", sendo que as reivindicações da comunidade ou são ignoradas ou são mescladas com certas teorias queer que pouco ou nada têm a ver com os integrantes da comunidade (in)existente.

Da parte dos partidos, excluindo os dominados pela igreja católica, temos um PS, claramente centro-direita mas afirmando-se de esquerda (em relação aos que se situam à sua direita, diria eu) que no seu programa de governo com que ganhou as últimas eleições, fala na situação da identidade de género de um modo geral, não especificando nada de concreto, o que implica que qualquer coisa cabe lá dentro. Não se tendo manifestado na altura, mantém a mesma postura, ou seja, o vazio.

Da parte do PCP, idem, nada fez e nada faz.

Do Bloco de Esquerda já é diferente. O que mais mencionou o caso na altura, o que promoveu uma audição parlamentar sobre a transexualidade, quando da recente visita de Carla Antonelli a Portugal e de ter sido recebida pelos deputados Miguel Vale de Almeida (PS) e José Soeiro (BE), fez saber pelo seu dirigente Francisco Louçã que uma lei de identidade de género não era uma prioridade do BE, ao contrário, por exemplo, do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

E porquê esta comparação? Porque, ao contrário de Gisberta e de Luna que foram assassinadas por serem quem eram (claramente no caso de Gisberta, mais duvidoso no caso de Luna, mas até ao momento sem informação em contrário), não se conhecem nenhuns casos de pessoas homossexuais que tenham sido assassinadas por não poderem casar.

Mais, também não se conhece nenhum caso de nenhuma pessoa homossexual que se tenha suicidado por não se poder casar, enquanto que pessoas transexuais que se suicidam por o serem são inúmeros os casos (mesmo em Portugal em que estes casos são camuflados, não os associando à transexualidade).

Curiosa esta posição do Bloco. Na minha opinião pessoal, somente o poder dos votos pode servir como desculpa.

Quanto à comunidade, que dizer? Fiz uma proposta para se fazer uma acção de homenagem a Gisberta e a Luna ao GRIT, em que apresentei ideoas de acções e onde desafiei os integrantes para apresentarem outras propostas, outras ideias, sensivelmente há um mês atrás. Uma resposta obtive, sem nada de concreto.

Apresentei ao mesmo GRIT outra iniciativa para que se debatessem as propostas existentes e se unificasse tudo numa única proposta de lei de identidade de género comum a toda a comunidade. Além de uma disponibilidade de quem se encontra presentemente à frente para o fazer, nada foi feito, nada foi opinado, nada foi dito.

O GRIT, além de encontros lúdicos entre transexuais realizados uma vez por mês, onde se partilham vivências, e de iniciativas como a do debate de 11 de Fevereiro, onde se tentou demonstrar que a comunidade (in)existente em Portugal é maioritariamente composta por invisiveis (claro que não se baseando em nenhum estudo existente porque simplesmente NÃO EXISTE) e que a maioria não se interessa por activismo. Se bem que não concorde em absoluto com a primeira opinião, a segunda tenho de concordar com ela.

E eu pergunto-me que pensariam Gisberta e Luna por pertencerem a uma comunidade que as renega, uma comunidade em que pessoas envergonhadas por serem quem são, como se a transexualidade fosse um crime ou uma ofensa tal que as pessoas se escondem como ratos a fugirem de gatos? Gisberta e Luna, que se assumiram e com tenacidade e intrepidez, enfrentando cara a cara as adversidades que a vida e a transfobia lhes ofereceu?

Gisberta e Luna, além de serem transexuais, eram trabalhadoras do sexo. Não por escolha própria, mas porque, por serem transexuais, lhes foram negadas as hipóteses de poderem ter outro tipo de trabalho. Ou se prostituíam, ou faziam shows de travestismo, ou eram protagonistas de strips. Ou tudo junto. A sociedade, sempre tão lesta em criticar e apontar, ao mesmo tempo forçou estas mulheres a este tipo de vida. Sou a favor das trabalhadoras do sexo desde que por decisão própria. mas por exclusão, sou contra.

Nunca me prostotuí. E no entanto sinto-me muito mais próxima destas duas vítimas do que das outras pessoas transexuais que se sentem incomodadas por sempre se ter associado a transexualidade à prostituição (korror) mas que nada fazem para demonstrar que uma pessoa transexual é tão válida como outra pessoa qualquer.

Como cantou Sérgio Godinho há muitos anos atrás "Mais vale ser um cão raivoso..."
E tinha razão. Como homenagem final a estas duas vítimas, além da que iniciei há uns tempos atrás no meu Facebook no album de fotos "Memórias" que visa não só estas duas mas todas as vítimas de que tiver conhecimento, fica aqui a letra desta música que tão bem explana o que é ser-se assumida, activista e, no fundo, ser-se humana

Mais vale ser um cão raivoso
do que um carneiro
a dizer que sim ao pastor
o dia inteiro
e a dar-lhe de lã e da carne e da vida
e do traseiro
mais vale ser diferente do carneiro
um cão raivoso que sabe onde ferra
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
que um caranguejo
que avança e recua e depois
solta um bocejo
e que quando fala só se houve a garganta
no gargarejo
mais vale não ser como o caranguejo
um cão raivoso que sabe onde ferra
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
que uma sardinha
metida, entalada na lata
educadinha
pronta a ser comida, engolida, digerida
e cagadinha
Mais vale ser diferente da sardinha
um cão raivoso que sabe onde ferra
ferra fascistas e chama-lhe um figo
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
dentes à mostra
estar sempre pronto a morder
e a dar resposta
a toda e qualquer podridão escondida
dentro da crosta
dentro da crosta das belas ideias
gato escondido de rabo de fora
dentro da crosta das belas ideias
gato escondido de rabo de fora.