TRANSSEXUALIDADE - A eternização do preconceito…
No dia 20 de Maio recebemos no Grupo Transexual Portugal (GTP) um email de Catherine Fraga, que faz parte da equipa do programa “Queridas Manhãs” apresentado por Júlia Pinheiro e João Paulo Rodrigues em que se pediam testemunhos de duas pessoas, uma em estúdio e outra em reportagem para o dia 3 de Junho para um programa com o tema Transsexualidade - A superação do Tabu.
Apesar da declaração de boas intenções, e como se costuma dizer “de boas intenções está o inferno cheio, ficámos logo de pé atrás. Muito já se mostrou sobre transexualidade nos media e, mesmo com imensas boas intenções declaradas, a coisa costuma descambar para a associação transexualidade/cirurgias e médico/patologia. Isto apesar de tanto eu como a Lara já termos sido entrevistadas pela Júlia na TVI n’As Tardes da Júlia, que nunca conseguimos ver.
Assim decidimos responder que agradecíamos o convite mas que a nossa posição como activistas do GTP era despatologizante, portanto antagónica da visão estereotipada clínica da "doença mental", privilegiando o direito que qualquer ser humano deve ter a autodeterminar a sua própria identidade, sem um policiamento de género que nos é imposto pelos preconceitos do que a classe médica considera que um homem ou uma mulher devem ser, bem como que consideramos que a ligação transexualidade/médico irá fatalmente conduzir à cirurgia de correcção de sexo, associação que repudiamos na medida em que nem todas as pessoas transexuais desejam submeter-se a estes procedimentos, no seu todo ou em parte e que assim sendo declinávamos o convite mas que nos disponibilizávamos a divulgar o pedido entre a comunidade trans caso alguém tivesse interesse em participar.
Veio como resposta um sim e o que divulgámos pelo facebook foi o seguinte: “Recebemos o seguinte apelo no GTP. Como parece ser mais do mesmo, além de estar presente um médico (logo uma perspectiva patologizante) que irá inevitavelmente fazer o link Transexualidade/cirurgia de correcãp de sexo com a qual não concordamos, declinámos o convite. Se alguém quiser responder, fica aqui o apelo: e o texto do email inicial com indicação do mail para resposta.”
E ficámos a aguardar serenamente o dia 3 de Junho para vermos se alguém teria manifestado interesse em ir.
E o dia 3 chegou. E foi uma desilusão. A Júlia Pinheiro que nos entrevistou e que chegou a ganhar prémios arco íris não pareceu estar presente. Em seu lugar estava alguém que nem sabia que NUNCA se pergunta a uma pessoa trans o nome de baptismo. Alguém que tinha a obrigação de saber que NÃO se pergunta a uma pessoa trans se fez cirurgias ou não. Estes são temas que não pertencem ao domínio público. Fazem parte da esfera privada de cada pessoa e são informações pessoais que só são partilhadas com quem cada pessoa trans considere que deve saber, NÃO com o público em geral.
A introdução com o Andreo Gustavo até nem estava mal. Como pessoa trans disse o que achou justo dizer.
A seguir falou Maria da Luz Góis como mãe de um trans masculino e como representante da AMPLOSIG, oops, da AMPLOS, que frisou, e muito bem, que uma pessoa trans não “quer” ser homem ou mulher, como nos temos batido no GTP para afirmar, mas sim que uma pessoa trans É homem ou mulher. Esta pequena nuance linguística é muito importante.
Já não esteve tão bem na associação que fez de marginais com homossexuais. Muita gente julgar que transexualidade é coisa de marginais é uma coisa, julgar que é coisa de marginais, homens que são homossexuais e se vestem de mulheres, na mesma frase, é associar homossexualidade com marginalidade. Mal. Mesmo que muita gente pense dessa maneira, num programa público sou da opinião que não se deve fazer esse tipo de associações.
Salvo erro, no antigo centro LGBT, foi esta mesma pessoa que teve uma tirada muito infeliz ao afirmar que, na sua opinião, Gisberta Salce Júnior não tinha sido morta por transfobia, mas por ser homeless (ou qualquer coisa parecida). Quer dizer, com afirmações tipo “detesto homens com mamas” feitas por um dos assassinos, ficou um bocado out esta afirmação.
Mas continuando, a seguir falou a Júlia Mendes Pereira e foi então que a outra Júlia teve as suas tiradas bastante infelizes. “(...)Mudou o seu nome, que era Júlio(...). esta foi de muito mau gosto. Não sei nem quero saber qual o nome de baptismo da Júlia, mas salvo erro sei que ela já tinha mencionado que Júlio não era, mas mesmo que fosse isto não se diz, ponto.
A meio de uma pergunta sobre a sexualidade ou os sinais da sexualidade da Júia, de repente muda para o Dr. Décio, figura sempre presente nestes temas. Igual a si mesmo, lá vieram os diagnósticos, e a pérola: que quando o diagnóstico é correcto, as pessoas querem fazer as cirurgias. Ou seja, a velhinha teoria dos verdadeiros transexuais e dos falsos transexuais, tão do agrado do Dr. há uns tempos atrás. Um que, apesar de ter estado presente na audição parlamentar, nada aprendeu e parece nada ter ouvido.
Compreende-se por vários factores desde a idade até á necessidade de que se façam cirurgias, que são o seu ganha pão. Se assumir que existem pessoas trans que não se desejam operar total ou parcialmente, diminuem certamente as cirurgias, o que seria de todo contra-producente para o Dr. Não esquecer que passou para o privado por uma questão monetária.
Volta à Júlia a perguntar se já estava tudo feito com ela (cirurgias, bem entendido), altura em que Júlia (a trans) tenta discordar do Dr. afirmando que cada caso é um caso e que essa vontade não deve ter efeitos no diagnóstico, considerando-o (o diagnóstico) um entrave imposto a todas as pessoas trans para receberem os cuidados de saúde que desejam.
Mas Júlia (a do programa) não desarma e insiste se a Júlia (a trans) tem a intenção de mudar toda a parte sexual, e aqui a Júlia (a trans) esteve muito bem ao afirmar que já tinha feito tudo o que queria, sem responder ao que a Júlia (a do programa) queria. Nem Júlia Pinheiro nem qualquer pessoa que estivesse a assistir ao programa têm de saber pormenores íntimos. Esqueçam.
Voltaram as atenções novamente para Maria da luz Góis que esta vez esteve brilhante. Existem pessoas que não se encaixam no binarismo de género e devem ser respeitadas como pessoas. Muito bem. E depois foram perguntas sobre se o filho namora que foi aproveitado para, sem responder, falar dos problemas relacionais das pessoas trans, e a bola passou para a Júlia (a trans) que confidenciou que está feliz a nível emocional. Cada um que entenda o que quiser.
E regressou-se ao Dr. que falou sobre as demoras nas cirurgias, Coimbra, em resposta a peguntas da Júlia (a do programa).
E finalizou-se com a talvez inevitável referência a Caitlyn Jenner, figura conhecida nos EUA mas cá em Portugal talvez nem tanto.
Ou seja, um programa destinado a superar tabús acabou mais por, pelas razões descritas, eternizá-los. Nada que nos surpreenda.
Transsexualidade - A superação do Tabu
Apesar da declaração de boas intenções, e como se costuma dizer “de boas intenções está o inferno cheio, ficámos logo de pé atrás. Muito já se mostrou sobre transexualidade nos media e, mesmo com imensas boas intenções declaradas, a coisa costuma descambar para a associação transexualidade/cirurgias e médico/patologia. Isto apesar de tanto eu como a Lara já termos sido entrevistadas pela Júlia na TVI n’As Tardes da Júlia, que nunca conseguimos ver.
Assim decidimos responder que agradecíamos o convite mas que a nossa posição como activistas do GTP era despatologizante, portanto antagónica da visão estereotipada clínica da "doença mental", privilegiando o direito que qualquer ser humano deve ter a autodeterminar a sua própria identidade, sem um policiamento de género que nos é imposto pelos preconceitos do que a classe médica considera que um homem ou uma mulher devem ser, bem como que consideramos que a ligação transexualidade/médico irá fatalmente conduzir à cirurgia de correcção de sexo, associação que repudiamos na medida em que nem todas as pessoas transexuais desejam submeter-se a estes procedimentos, no seu todo ou em parte e que assim sendo declinávamos o convite mas que nos disponibilizávamos a divulgar o pedido entre a comunidade trans caso alguém tivesse interesse em participar.
Veio como resposta um sim e o que divulgámos pelo facebook foi o seguinte: “Recebemos o seguinte apelo no GTP. Como parece ser mais do mesmo, além de estar presente um médico (logo uma perspectiva patologizante) que irá inevitavelmente fazer o link Transexualidade/cirurgia de correcãp de sexo com a qual não concordamos, declinámos o convite. Se alguém quiser responder, fica aqui o apelo: e o texto do email inicial com indicação do mail para resposta.”
E ficámos a aguardar serenamente o dia 3 de Junho para vermos se alguém teria manifestado interesse em ir.
E o dia 3 chegou. E foi uma desilusão. A Júlia Pinheiro que nos entrevistou e que chegou a ganhar prémios arco íris não pareceu estar presente. Em seu lugar estava alguém que nem sabia que NUNCA se pergunta a uma pessoa trans o nome de baptismo. Alguém que tinha a obrigação de saber que NÃO se pergunta a uma pessoa trans se fez cirurgias ou não. Estes são temas que não pertencem ao domínio público. Fazem parte da esfera privada de cada pessoa e são informações pessoais que só são partilhadas com quem cada pessoa trans considere que deve saber, NÃO com o público em geral.
A introdução com o Andreo Gustavo até nem estava mal. Como pessoa trans disse o que achou justo dizer.
A seguir falou Maria da Luz Góis como mãe de um trans masculino e como representante da AMPLOSIG, oops, da AMPLOS, que frisou, e muito bem, que uma pessoa trans não “quer” ser homem ou mulher, como nos temos batido no GTP para afirmar, mas sim que uma pessoa trans É homem ou mulher. Esta pequena nuance linguística é muito importante.
Já não esteve tão bem na associação que fez de marginais com homossexuais. Muita gente julgar que transexualidade é coisa de marginais é uma coisa, julgar que é coisa de marginais, homens que são homossexuais e se vestem de mulheres, na mesma frase, é associar homossexualidade com marginalidade. Mal. Mesmo que muita gente pense dessa maneira, num programa público sou da opinião que não se deve fazer esse tipo de associações.
Salvo erro, no antigo centro LGBT, foi esta mesma pessoa que teve uma tirada muito infeliz ao afirmar que, na sua opinião, Gisberta Salce Júnior não tinha sido morta por transfobia, mas por ser homeless (ou qualquer coisa parecida). Quer dizer, com afirmações tipo “detesto homens com mamas” feitas por um dos assassinos, ficou um bocado out esta afirmação.
Mas continuando, a seguir falou a Júlia Mendes Pereira e foi então que a outra Júlia teve as suas tiradas bastante infelizes. “(...)Mudou o seu nome, que era Júlio(...). esta foi de muito mau gosto. Não sei nem quero saber qual o nome de baptismo da Júlia, mas salvo erro sei que ela já tinha mencionado que Júlio não era, mas mesmo que fosse isto não se diz, ponto.
A meio de uma pergunta sobre a sexualidade ou os sinais da sexualidade da Júia, de repente muda para o Dr. Décio, figura sempre presente nestes temas. Igual a si mesmo, lá vieram os diagnósticos, e a pérola: que quando o diagnóstico é correcto, as pessoas querem fazer as cirurgias. Ou seja, a velhinha teoria dos verdadeiros transexuais e dos falsos transexuais, tão do agrado do Dr. há uns tempos atrás. Um que, apesar de ter estado presente na audição parlamentar, nada aprendeu e parece nada ter ouvido.
Compreende-se por vários factores desde a idade até á necessidade de que se façam cirurgias, que são o seu ganha pão. Se assumir que existem pessoas trans que não se desejam operar total ou parcialmente, diminuem certamente as cirurgias, o que seria de todo contra-producente para o Dr. Não esquecer que passou para o privado por uma questão monetária.
Volta à Júlia a perguntar se já estava tudo feito com ela (cirurgias, bem entendido), altura em que Júlia (a trans) tenta discordar do Dr. afirmando que cada caso é um caso e que essa vontade não deve ter efeitos no diagnóstico, considerando-o (o diagnóstico) um entrave imposto a todas as pessoas trans para receberem os cuidados de saúde que desejam.
Mas Júlia (a do programa) não desarma e insiste se a Júlia (a trans) tem a intenção de mudar toda a parte sexual, e aqui a Júlia (a trans) esteve muito bem ao afirmar que já tinha feito tudo o que queria, sem responder ao que a Júlia (a do programa) queria. Nem Júlia Pinheiro nem qualquer pessoa que estivesse a assistir ao programa têm de saber pormenores íntimos. Esqueçam.
Voltaram as atenções novamente para Maria da luz Góis que esta vez esteve brilhante. Existem pessoas que não se encaixam no binarismo de género e devem ser respeitadas como pessoas. Muito bem. E depois foram perguntas sobre se o filho namora que foi aproveitado para, sem responder, falar dos problemas relacionais das pessoas trans, e a bola passou para a Júlia (a trans) que confidenciou que está feliz a nível emocional. Cada um que entenda o que quiser.
E regressou-se ao Dr. que falou sobre as demoras nas cirurgias, Coimbra, em resposta a peguntas da Júlia (a do programa).
E finalizou-se com a talvez inevitável referência a Caitlyn Jenner, figura conhecida nos EUA mas cá em Portugal talvez nem tanto.
Ou seja, um programa destinado a superar tabús acabou mais por, pelas razões descritas, eternizá-los. Nada que nos surpreenda.
Transsexualidade - A superação do Tabu
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home