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domingo, janeiro 09, 2011

No dia 06 de Janeiro de 2011, talvez como um tenebroso prenúncio de um ano que se adivinha como terrível, o Presidente da República Portuguesa, na evidente qualidade de candidato presidencial, vetou o diploma referente à alteração de nome e sexo das pessoas transexuais.

Numa primeira impressão às razões invocadas para a não promulgação do diploma, pressentem-se de imediato algumas coisas. Um desconhecimento do que é a realidade transexual, uma vontade de reconquistar votos da direita mais conservadora, perdidos quando da promulgação do casamento homossexual, falta de conhecimento do diploma que está a vetar e um total desrespeito pelas pessoas transexuais, desrespeito pelos direitos humanos, sociais e laborais desta minoria.

As razões do veto são explicadas de seguida, na mensagem presidencial à Assembleia da República:

"Mensagem do Presidente da República à Assembleia da República a propósito da não promulgação do diploma que cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil

Senhor Presidente da Assembleia da República

Excelência,

Tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto nº 68/XI da Assembleia da República, que cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à décima sétima alteração ao Código do Registo Civil, decidi, nos termos do artigo 136º da Constituição, não promulgar aquele diploma, com os fundamentos seguintes:

1 – O regime submetido a promulgação apresenta graves insuficiências de natureza técnico-jurídica assim como procede a um enquadramento controverso das situações de perturbação de identidade de género, segundo a opinião colhida junto de especialistas nesta matéria. É, por isso, desejável que a Assembleia da República proceda a um novo debate que permita congregar as várias opiniões sobre um tema de tão grande relevância.

2 – Não se põe em causa a necessidade de existência de um regime jurídico que regule, designadamente para efeitos de registo civil, os casos medicamente comprovados de perturbação de identidade de género que assumam um perfil e uma natureza tais que justifiquem a tutela do Direito.

3 – O regime jurídico que regule esta realidade deve consagrar soluções normativas claras e adequadas à prossecução de dois objectivos: por um lado, salvaguardar a fidedignidade do sistema público de registo e, por outro, conferir uma tutela jurídica mais célere e eficaz àqueles que comprovadamente dela careçam.

4 – O Decreto nº 68/XI, não assegurando que estes objectivos sejam alcançados, contribui, devido às deficiências técnico-jurídicas de que padece, para adensar situações de insegurança e de incerteza, inquestionavelmente lesivas para aqueles que, de uma forma comprovada com rigor, possuam uma perturbação da identidade de género.

5 – Nos termos do regime que o Decreto nº 68/XI visava instituir, o requerimento a apresentar na conservatória do registo civil para mudança de sexo e de nome próprio deve ser acompanhado de um “relatório médico que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro”.

6 – Porém, o diploma em apreço é, desde logo, omisso quanto aos critérios de diagnóstico da perturbação de identidade de género.

Não se definindo esta perturbação nem, tão-pouco, os respectivos critérios de diagnóstico, a interpretação da norma será deixada por inteiro à apreciação livre da entidade emitente do relatório o que, sem o devido controlo, não oferece as garantias de rigor técnico que devem estar presentes em casos particularmente delicados para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, como são os que ocorrem neste domínio.

7 – Não por acaso, de acordo com os critérios da classificação internacional de doenças – ICD10 –, e, bem assim, de acordo com as melhores práticas seguidas nesta área, o diagnóstico estrito de transexualismo só é considerado firme após a comprovação durante, pelo menos, dois anos da persistência da perturbação.

Esta é, de resto, a solução adoptada, por exemplo, pela lei que vigora em Espanha, a qual exige, inclusivamente, dois anos de acompanhamento médico para adequar as características físicas às do sexo pretendido.

8 – Nos termos do regime que o Decreto nº 68/XI se propunha estabelecer, as pessoas que detêm perturbação de identidade de género encontram-se desprotegidas relativamente a um eventual erro de diagnóstico ou à própria reponderação da sua decisão de mudança de sexo – a qual, segundo a opinião de especialistas, pode ocorrer nos estádios iniciais da referida perturbação.

9 – Muito problemática é, também, a ausência de critérios para a emissão do relatório clínico. De facto, sendo o requerimento acompanhado unicamente desse relatório e não dispondo o conservador de possibilidade de controlo substancial do mesmo, impunha-se que a lei fosse muito exigente quanto às condições para a sua emissão.

Ora, nos termos do regime aprovado, o relatório é elaborado por “equipa multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro”.

Admite-se, pois, que profissionais sem a necessária especialização ou qualquer tipo de preparação para o acompanhamento de casos desta natureza, em regra muito complexos, possam constituir uma equipa multidisciplinar – cuja composição o decreto em apreço não especifica – e emitam certificados que serão, obrigatoriamente, seguidos pelo conservador para o efeito da mudança de sexo e nome no registo. Com efeito, a sexologia clínica não corresponde a uma especialidade médica reconhecida em Portugal e o decreto é igualmente omisso quanto à qualificação profissional específica do psicólogo que integre a referida equipa.

Ainda mais grave, o mesmo relatório pode ser emitido em estabelecimento de saúde, público ou privado, estrangeiro, por clínicos cujas habilitações não são reconhecidas ou sequer controladas pelas autoridades portuguesas – ao contrário do que sucede, por exemplo, nas leis em vigor em Espanha ou no Reino Unido. Assim, não existe qualquer possibilidade de sujeitar esses profissionais ao cumprimento mínimo de regras éticas e deontológicas, com claro prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses daqueles que pretendem efectuar a mudança de sexo.

10 – Não são, ainda, negligenciáveis os efeitos negativos deste regime na ordem jurídica, designadamente na confiança que inquestionavelmente deve estar associada ao sistema público de registo.

Na verdade, o registo tem por objectivo dar publicidade a determinados factos. Por esta razão, o regime do Decreto nº 68/XI prevê a alteração do averbado no registo civil de modo a tornar o género registado conforme com a aparência demonstrada pela pessoa.

Ora, pelas razões mencionadas, a completa ausência de densidade normativa (v.g., na definição do conceito de perturbação de identidade de género ou dos critérios de diagnóstico) torna o registo, indesejavelmente, fonte de insegurança e de incerteza jurídicas. Permitir a mudança de sexo em casos não comprovados ou cujo diagnóstico se revele insuficiente será muito prejudicial para a confiança pública no sistema registal.

11 – Assim, o regime a aprovar nesta matéria não deve, de modo algum, pelas suas deficiências técnico-jurídicas e pela sua ausência de clareza e densidade, contribuir para agravar a situação de quem possui perturbação de identidade de género, uma situação que, importa afirmá-lo, se reveste frequentemente de contornos dramáticos do ponto de vista da auto-realização individual e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

12 – Por último, numa matéria deste melindre e complexidade, em que existe um grande desconhecimento do que verdadeiramente está em causa – na essência, uma perturbação de índole clínica –, importa que a comunidade compreenda o sentido e o alcance das intervenções do legislador, as quais devem primar pelo seu apuro técnico-jurídico e por uma real preocupação de salvaguarda dos interesses e direitos das pessoas.

Ora, tal não ocorre, manifestamente, com o Decreto nº 68/XI, razão pela qual entendi devolvê-lo, sem promulgação, à Assembleia da República, de modo a que esta matéria seja objecto de uma análise mais aprofundada por parte dos Senhores Deputados, com vista a uma adequada ponderação dos interesses que comprovadamente se mostrem merecedores de tutela pelo Direito.


Com elevada consideração,

Palácio de Belém, 6 de Janeiro de 2011

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Aníbal Cavaco Silva"


Analizando ponto a ponto, evidenciam-se as seguintes conclusões (só serão mencionadas as susceptíveis de crítica):

No ponto um são mencionadas “graves insuficiências de natureza técnico-jurídica” bem como “um enquadramento controverso das situações de perturbação de identidade de género, segundo a opinião colhida junto de especialistas nesta matéria”. Tudo muito generalista, nada específico, mas a levantar muitas suspeições quanto aos “especialistas na matéria” que foram consultados. E porquê? Simples, basta recordarmo-nos da luta política que existiu quando da promulgação do casamento homossexual. Conceituadas personalidades do país foram chamadas a emitirem pareceres sobre a constitucionalidade do casamento homossexual. Evidentemente nenhum parecer era isento. Quem era contra afirmou da inconstitucionalidade de tal medida por isto e aquilo. Quem era a favor afirmou da não inconstitucionalidade de tal medida.

Obviamente que agora se passou o mesmo. E sendo Cavaco Silva o candidato da direita, será lícito supor-se que “os especialistas” consultados tenham sido aqueles que tenham opiniões concordantes com a direita portuguesa que, como se sabe, levantou inúmeras questiúnculas sobre esta lei, claramente não desejando reconhecer a identidade de género das pessoas transexuais e fazendo a tão comum junção entre transexualidade e cirurgias.

Também não me parece que quem verdadeiramente é especialista nestas questões, as pessoas transexuais, tenham sido ouvidas ou tenham dado a sua opinião ao Presidente. Daí estes “especialistas” levantarem-me muitas dúvidas.

Continuando...

No ponto 4, além da continuação da menção das insuficiências técnico-jurídicas (e continuando a não as apontar) afirma-se que o diploma não salvaguarda a “fidedignidade do sistema público de registo”, bem como que não confere “uma tutela jurídica mais célere e eficaz àqueles que comprovadamente dela careçam” (referências ao ponto 3).

Parece-me que a “fidedignidade do sistema público de registo” terá mais a ver com quem trabalha nos registos do que com este diploma, ou seja, os notários e seus colaboradores, que são quem deve zelar pela fidedignidade. Poder-se-á então deduzir que Cavaco Silva não tem confiança nos notários? Penso que esta frase devia ser mais explícita, mas em Portugal gosta-se muito de frases ambíguas, em vez de tudo bem explicado, preto no branco.

Quanto à celeridade existem múltiplas hipóteses (novamente a ambiguidade): será que quis dizer que o relatório deve ser excluído, de modo a tornar este processo mais célere? Ou será o prazo de oito dias que lhe parece ser demasiado longo? Ou deixar de ser necessário as assinaturas de um psiquiatra e um psicólogo? Talvez mesmo a diminuição de dois anos para seis meses como tempo máximo para a obtenção do relatório?

A exclusão do relatório ou a diminuição do prazo (a não necessidade de assinaturas não me parece que dê mais celeridade ao processo) são medidas com as quais posso bem viver e que efectivamente dão mais celeridade ao processo. A diminuição do prazo para obtenção do relatório para seis meses, concordo em absoluto. Aliás, sabe-se perfeitamente bem, ao fim de seis meses, quem é transexual e quem não é. O prazo de dois anos é, manifestamente, demasiado longo. De resto, considerando que com um relatório numa semana se tem a alteração feita, não descortino mais hipóteses de tornar o processo mais célere. Penso que o Presidente devia ter sido mais explícito e dizer mesmo qual destas medidas advoga para tornar o processo mais célere. Ou todas juntas, talvez.

No ponto seis então, usando linguagem mais brejeira, “borrou a pintura”. Primeiro porque, considerando-se a transexualidade (perturbação da identidade de género) como doença (que qualquer psiquiatra ou psicólogo idóneo sabe perfeitamente bem que não é), os critérios terão de ser necessariamente clínicos e não definidos por lei. Senão arriscávamo-nos a ter os governos a diagnosticarem doenças, sendo que as pessoas iriam à Assembleia em vez dos hospitais para verem da sua saúde pelos deputados e legisladores, e nos hospitais emitiam-se leis para a governação do país. Completamente absurda este ideia.

Segundo porque os critérios de avaliação clínica são científicos, logo sujeitos a estarem constantemente a serem inovados (porque a ciência não pára e constantemente se descobrem novos tratamentos e novas formas de diagnóstico) o que implicaria estar-se constantemente na Assembleia a debater os critérios de diagnóstico, com a agravante de serem pessoas não qualificadas para esses debates a fazê-los.

Efectivamente quem oferece garantias de rigor técnico neste assunto são precisamente as pessoas a quem o diploma se dirige, as pessoas transexuais, ou, na falta destas, psiquiatras e psicólogos. A restante população portuguesa apresenta níveis alarmantes de incompreensão da realidade transexual, além de preconceitos e intolerância (no que são acompanhados, infelizmente, por muitos supostos “especialistas” não transexuais). Mas não me parece que fossem estas (as pessoas transexuais) que Cavaco Silva tivesse em mente como competentes para o diagnóstico.

Logo o diploma tem necessariamente de ser omisso quanto aos critérios para o diagnóstico, porque esses critérios são clínicos, não legislativos. Quer dizer, isto é uma evidência, diria eu. Isto demonstra bem o teor das “graves deficiências técnico-jurídicas” tão mencionadas nesta mensagem.

No ponto 7, Cavaco Silva, não o dizendo ou querendo dar a entender não ser assim que se passa em Portugal, descreve o tempo que é utilizado em Portugal para a obtenção deste diagnóstico, o que, pura e simplesmente revela ignorância, dele ou dos seus assessores, que não o informaram bem do que se passa em Portugal. Como se sabe, em Portugal o tempo mínimo para um processo de transexualidade são precisamente os dois anos. Mais, e devia ter sido isto que devia ter focado, um largo número de processos ultrapassa em muito os dois anos considerados necessários, chegando mesmo a demorarem 5, 7 ou mesmo 10 anos.

Aqui um pequeno àparte: até agora tem-se verificado que estes casos de duração exagerada dos processos passam completamente impunes, desgastando a auto estima, a dignidade e a paciência das pessoas transexuais sujeitas a eles. Isto tem de acabar. Terá de haver uma associação que ponha mãos à obra e controle e denuncie, quando fôr caso disso, estes verdadeiros abusos de poder da parte de “especialistas” de competência mais que duvidosa, ou que apesar das competências não conseguem ultrapassar os seus preconceitos. E como presentemente não existe nenhuma associação transexual salvo o GRIT, é minha convicção que terá de ser ele a tratar destes assuntos. A defesa das pessoas transexuais não se limita a tertúlias e a viagens ao estrangeiro. Há que pegar nas questões práticas também.

E vem novamente pôr em causa os “especialistas” que alega terem sido ouvidos. Quer dizer, especialistas que nem sabem como se desenrola nem quanto tempo dura um processo de transexualidade em Portugal?

Curiosa a menção do ICD 10 e a falta de menção dos standards of care da WPATH, considerada a autoridade mundial nesta matéria e que, inclusivé, tem a sua cota parte na emissão do mesmo ICD 10. Não tão curioso assim se se pensar que Cavaco Silva, antes de ver o diploma, já tinha a intenção de o vetar, independentemente do seu conteúdo, diria eu.

No ponto 8, quererá Cavaco Silva criminalizar erros de diagnóstico? Nesse caso teria de se referir a todo e qualquer erro de diagnóstico, seja em que especialidade médica fôr. E os erros acontecem, a medicina não é uma ciência exacta como a matemática. Além de que, caso se verificasse um erro de diagnóstico, seria facílimo rectificá-lo. No caso das cirurgias seria mais problemático, mas também possível (embora o resultado nunca fosse igual ao inicial). No âmbito deste diploma mais fácil se torna. É só trabalho burocrático. E considerando o tempo excessivo em comparação com os standards internacionais que normalmente demoram em Portugal estes processos, não me parece que exista risco de arrependimentos.

Pelo contrário, existem pessoas transexuais que, devido precisamente à morosidade dos processos, desistem a meio e vão fazer os seus processos e cirurgias lá fora. Isto também devia estar nas preocupações presidenciais.

No ponto 9 novamente se fala dos critérios. Com a agravante de se querer que conservadores “controlem” o diagnóstico. Isto já foi debatido atrás e sinceramente não me parece que os conservadores devam controlar algo mais além da documentação estar conforme. Não é um burocrata que deve ajuizar critérios médicos. Tal como não deve ser um advogado, por exemplo, a ajuizar casos oncológicos.

Mas pior, na mensagem lê-se claramente “Admite-se, pois, que profissionais sem a necessária especialização ou qualquer tipo de preparação para o acompanhamento de casos desta natureza, em regra muito complexos, possam constituir uma equipa multidisciplinar”. Então estar-se-á a presumir que um conservador tem a “necessária especialização ou qualquer tipo de preparação” para supervisionar um qualquer diagnóstico médico? É que nem é preciso entrar-se na parte psiquiátrica, quiçá um pouco mais complexa.

Quer dizer, Cavaco Silva demonstra desconhecer por completo os critérios usados para se diagnosticar a transexualidade em Portugal. E novamente põe em causa os “especialistas” ouvidos. Acredito que tenham sido especialistas em política, mas em transexualidade não eram de certeza, senão este veto estaria muito mais bem defendido. As razões alegadas não têm ponta por onde se lhes pegue. Era esperado mais de um Presidente da República. Ninguém espera que um economista tenha conhecimentos de tudo, mas aqui revela-se um desconhecimento do mais básico. Talvez não fosse má ideia mudar de assessores ou de “especialistas” porque os enganos aqui demonstrados não abonam nada a favor, além de um completo desinteresse pela questão.

Mas numa coisa concordo: se a sexologia clínica não é uma especialidade reconhecida em Portugal, como afirma, talvez seja a altura de corrigir esse erro. Ignoro se terá de ser o Governo ou a Ordem dos Médicos a fazê-lo, mas parece estar-se na altura de reconhecer essa especialidade. Mas não é neste diploma que o terá de ser feito, isso de certeza.

Também para quem se submeteu a avaliações psicológicas, testes psiquiátricos, prova de vida, durante anos no estrageiro não deve ter interesse nenhum em regressar a Portugal e ver todo o seu processo posto em causa. A única maneira de contornar isto seria fazer de novo todo o processo em Portugal. Isto é que é a defesa dos “direitos e interesses daqueles que pretendem efectuar a mudança de sexo”? Muito pelo contrário, é somente demonstrativo de uma total desconfiança pela classe médica e lesivo para o estado, que tem de repetir um processo já concluído. Se isto não é um “claro prejuízo para o interesse público” o estar-se a repetir o que já está feito, não sei o que seja.

No ponto 10 regressa o diagnóstico e os critérios. Cavaco Silva não entendeu, ou não quer entender, ou pura e simplesmente não lhe disseram e não o sabe, que não existe nenhum meio de se diagnosticar a “perturbação de identidade de género”. O que os “especialistas” podem fazer é despistar outras patologias e, se a pessoa persistir durante pelo menos dois anos, é porque é transexual. Não podem fazer nada mais do que isto. Não existe nenhum teste que permita esse diagnóstico, nem psiquiátrico nem mediante análises físicas. Nada. Nem sequer existem teste infalíveis. O erro pode sempre existir. E temos de viver com esse conhecimento. Cavaco Silva também.

E parece-me muito mais desejável, tanto para a sociedade como a nível pessoal, que efectivamente se reconheça o género registado conforme com a aparência demonstrada pela pessoa. Talvez a Gisberta e a Luna não tivessem tido o fim que tiveram.

O ponto 11 devia ter sido escrito ao contrário. Porque é este veto que contribui para “agravar a situação de quem possui perturbação de identidade de género” e não o diploma. E quem o diz é transexual, portanto sabe do que fala.

No ponto 12 concordo e inclusivé deixo aqui algumas propostas: mencionar-se “identidade de género” no diploma, que afinal é do que trata e não vem lá mencionado, e a menção de “independentemente de desejar-se ou não submeter-se a cirurgias de redesignação de sexo”, porque são uma consequência da transexualidade, não uma causa. Pode-se sempre aproveitar este veto para melhorar o diploma.

E chegados ao fim, o que fica? Claramente este veto nada mais é do que um aproveitamento político das pessoas transexuais para ganhar os votos talvez perdidos quando da promulgação do casamento homossexual. Isto é tão evidente que não há volta a dar. Somos novamente moeda de troca, tal como quando da inclusáo da orientação sexual no artº 13º da Constituição. Nessa altura fomos trocados pela orientação sexual, agora somos por votos.

Não será estranho a isto o facto de, as usual, não termos tido apoios quase nenhuns da sociedade civil. Lembro que quando da aprovação do casamento homossexual, personalidades de variados sectores da sociedade vieram a público a apoiar tão nobre causa, fizeram-se associações em sua defesa, foram escritos imensos artigos de opinião por jornalistas bem conhecidos, houve manifestações à porta da Assembleia no dia da votação (ou do debate, não tenho bem presente), enfim, a sociedade mexeu-se.

Agora que se trata de transexualidade ficou tudo em silêncio. E isto contribuiu para o veto (não a razão do veto, mas um contributo), pois Cavaco Silva sabe bem o abandono a que está sujeita a comunidade transexual em Portugal. Cavaco Silva sabia bem que o veto não iria levantar muita celeuma. Como também sabe que o diploma vai ser aprovado novamente e que não havia justificações nenhumas plausíveis para este veto.

Não posso deixar de notar, também, a justificação dada na altura para a promulgação, que Cavaco sabia que o casamento homossexual iria ser aprovado novamente e que vetá-lo seria uma perda de tempo quando Portugal enfrentava tempos difíceis, não valendo portanto a pena perder-se mais tempo com o assunto. Provavelmente agora Portugal já saiu dos tempos difíceis, porque agora Cavaco Silva já não considera não valer a pena repetir-se o debate, a votação, o envio à Presidência e à inevitável promulgação. E eu a pensar que ainda estávamos a atravessar tempos difíceis, talvez até mais difíceis ainda. Não deixa de ser curioso.

As reacções dos partidos foram as esperadas, bem como das associações LGBTTI. Mornas. Nada de espantar, considerando que existem apoiantes que comparam a necessidade que algumas pessoas têm de se submeterem à CRS (cirurgia de redesignação de sexo) ou, por exemplo, a colocação de próteses mamárias à necessidade imperiosa das Lili Caneças de Portugal de fazerem liftings e colocarem próteses. Tal e qual, afinal não passamos de cópias da Lili Caneças. Táss mesmo a ver. Daí também o perceber-se (em parte) o desconhecimento revelado nesta mensagem pelo Presidente da República.

Também não deixa de ser curioso que, num veto referente à transexualidade, não tenha visto nenhuma reacção de pessoas transexuais. Nenhuma foi contactada para dar a sua opinião.

Pior, o GRIT da ILGA Portugal, a única associação/grupo de pessoas transexuais em Portugal nem um comunicado emitiu denunciando e condenando um veto de quem devia ser o Presidente de todos os Portugueses, mas que manifestamente não o é. Pelo menos não da comunidade transexual. Nada. Remeteu-se a um cómodo silêncio, na esperança que os partidos de esquerda aprovem novamente o diploma. Talvez tenham muito trabalho em mãos organizando tertúlias sobre a lei e nem tenham notado que esta foi vetada. Pelo menos um comunicado em nome do GRIT impunha-se.

Será possível que a notícia de que José Castelo Branco quer mudar de sexo também tenha contribuído para este veto presidencial? Em Portugal tudo é possível.

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