Transfofa em Blog

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sexta-feira, dezembro 23, 2011

Além das razões já apresentadas contra a patologização e psiquiatrização da transexualidade, como por exemplo a transexualidade não ser nenhuma doença mental mas sim um caso médico, existem outras bem relevantes e que reforçaram a minha mudança de opinião de opositora a apoiante.

Existem razões teóricas, como o direito que cada pessoa deve ter sobre o seu corpo e sobre as alterações que lhe deseje ou não fazer, e razões, digamos, humanas.

Nestas últimas encontram-se o preconceito e a discriminação. Ou seja, um psiquiatra ou um psicólogo, quando avalia uma pessoa, é suposto avaliá-la pela sua Identidade de Género. O pioneiro dos estudos sobre transexualidade, Dr Harry Benjamin, que fundou a HBIGDA (Harry Benjamin International Gender Dysphoria Association) que recentemente alterou o seu nome para WPATH (World Pofessional Association for Transgender Health) classificou a transexualidade em vários graus (primária, secundária, etc.) sem no entanto negar a transexualidade de cada pessoa incluída nos vários graus. Ou seja, são todas pessoas transexuais.

Em concordância com isto, mas alargando o espectro de pessoas, a WPATH, na sua última edição dos Standards Of Care, admite claramente que nem todas as pessoas transexuais desejam submeterem-se a cirurgias, e que essas mesmas pessoas, caso seja de sua vontade, devem fazer tratamento hormonal. Ou seja, como psiquiatras e psicólogos, o principal é o bem estar da pessoa transexual e/ou transgénero.

Também Thomas Hammarberg, Comissário para os Direitos Humanos do Concelho da Europa, tem afirmado por várias vezes que a Identidade de Género de cada pessoa deve ser respeitada e aceite por todos os estados membros.

Mas em Portugal, numa grande maioria de casos, não é isto que se passa. Os supostos profissionais psiquiátricos e psicólogos, cuja função principal devia ser a de ajudarem e contribuírem para o bem estar psicológico da pessoa, fazem o contrário. Pelo menos em certos casos.

Que fazem eles? Contrariando os Standards of Care da WPATH e as recomendações do comissário Thomas Hammarberg, a sua única preocupação não é a verificação da Identidade de Género da pessoa, mas a verificação da vontade da mesma pessoa em submeter-se a todas as cirurgias.

Ou seja, aceitam que uma pessoa tenha um Transtorno de Identidade de Género (vulgo transexualidade) mas de seguida não ligam nenhuma à Identidade de Género da pessoa em causa. Sempre me bati pela visão de que as cirurgias não devem ser vistas como causa da transexualidade mas sim como consequência da mesma. Quem se submete às cirurgias fá-lo por ser transexual, não para ser transexual.

Os psiquiatras e psicólogos que trabalham nestes casos, na sua maioria, pensam que a vontade de submissão às cirurgias é causa da transexualidade, contrariando assim tanto os Standards of Care da WPATH, as recomendações de Thomas Hammarberg e as conclusões de Harry Benjamin. E se alguma pessoa demonstra algum tipo de dúvida sobre o desejo de se submeter às mesmas ou defende outra coisa que não esta arcaica visão da transexualidade, é logo taxado como não-transexual.

Estes “juízes”, em vez de observarem uma pessoa pela sua Identidade de Género, que no fundo é do que trata a transexualidade, julgam-nos pela genitália.

Se isto já era grave anteriormente, agora com a lei de alteração de nome e género torna-se um verdadeiro problema. Essa negação impede uma pessoa transexual de aceder aos seus direitos legais.

Um caso de que tive conhecimento: uma mulher transexual (1), já com um relatório favorável, de orientação sexual lésbica, defensora das cirurgias como consequência da transexualidade não como causa, gosta de outra mulher transexual (2).

Teve acompanhamento durante 5 anos, fez todos os testes necessários para atestar da sua sanidade mental, vive no seu género (feminino) há mais de sete anos, iniciou o seu tratamento hormonal antes de iniciar o seu processo e depois de tudo isto foi taxada como homossexual por uma psicóloga.

Não há certeza de que este caso seja elegível para o Guinness World Book of Records como o primeiro homossexual que não é sexualmente atraído por homens mas sim por mulheres, mas mesmo que não o seja, caso raríssimo deve ser de certeza.

Porquê? Porque a psicóloga, e aqui é demonstrado claramente o preconceito existente e que devia não ser considerado pelos supostos profissionais que analisam estes casos, não vê a mulher transexual de que ela gosta como mulher. Como na altura ainda não tinha feito nenhuma cirurgia, não era mulher coisa nenhuma, mas sim um homem. Esta negação da Identidade de Género de uma pessoa (que presentemente completou o seu processo na Ordem dos Médicos e já se submeteu a cirurgias, estando em vias de mudar nome e género na documentação legal) por alguém que devia antes de tudo o mais ter isso em conta, lança sérias dúvidas sobre a capacidade que detém para analisar casos de transexualidade.

E como vê a outra mulher (2) como um homem, a mulher transexual de orientação lésbica (1) é um homossexual. É um homem que gosta de outro homem. Isto, claro, juntamente com as opiniões expressas por essa mulher (1) sobre a transexualidade durante as consultas, e por, apesar de desejar submeter-se às cirurgias, não demonstrar uma urgência desmedida.

Tal comportamento demonstrado por um suposto especialista, demonstra bem que em Portugal, psiquiatras e psicólogos limitam-se a, em vez de ajudar, policiar as pessoas transexuais de acordo com os seus próprios preconceitos e sem qualquer espécie de base científica.

Obviamente que a isto não está alheio o facto da transexualidade não poder ser diagnosticada. Não existe teste nenhum que possa dar esse diagnóstico, nem se sabe ao certo o que é a transexualidade, como aparece ou porque aparece. Sabe-se que existe, ponto final. A única coisa que podem fazer é ver se uma pessoa não sofre de nenhuma perturbação/doença mental que possa ser confundida com a transexualidade.

A partir daí, funcionam os estereotipos e preconceitos dos supostos profissionais, que só ajudam a fomentar novos meios de discriminação, como por exemplo, que as pessoas transexuais são só as operadas e coisas afins.

E alguns desses supostos especialistas ainda bradam aos céus que fazem parte da WPATH (mas só para o que lhes interessa, pois não seguem os Standards of Care) ou mencionam o Dr. Harry Benjamin (sem no entanto respeitarem as suas descobertas e opiniões).

Este comportamento é completamente inadmissível e intolerável nos tempos que correm. E no entanto as associações e/ou grupos LGBT principais não movem um dedo nem escrevem uma linha sobre isto. O tema é tabú. Porquê? Porque isto só se resolve com a despatologização e consequente despsiquiatrização destes processos. E as associações e/ou grupos portugueses, que sabem perfeitamente que estes casos são uma realidade nacional, terão, mais cedo ou mais tarde, de olhar para este estado das coisas. E quanto mais cedo melhor.

Não se pode, evidentemente, negar a esses supostos profissionais a avaliação destes casos, apesar de manifestarem uma incapacidade em fazê-lo com a independência necessária. A Ordem dos Médicos e a Ordem dos Psicólogos poderiam fazê-lo, mas estão contaminados internamente por estes indivíduos.

Portanto a solução terá necessariamente que passar pela despatologização e consequente despsiquiatrização, com os riscos inerentes.

No fundo, são os próprios psiquiatras e psicólogos que, ao demonstrarem serem incapazes de ultrapassar os seus próprios preconceitos e de diminuírem a importância da Identidade de Género, que afinal devia ser a prioridade, forçam o apoio à despatologização, que tanto medo lhes faz. E faz medo porquê? Porque acham que as pessoas transexuais precisam de ajuda? Nada disso, como ficou demonstrado atrás. Faz-lhes medo porque depois começam a ver as pessoas que não consideram como transexuais devido aos seus próprios preconceitos a serem respeitadas pela sua Identidade de Género, sem terem hipótese de as bloquear, como todos os bons polícias de género devem fazer.

Transtorno de Identidade de Género é o nome dado a estes casos. Em Portugal talvez devesse ser Transtorno Genital.

Até quando se manterá esta situação? E até quando os grupos e associações LGBT poderão continuar a sustentar um alheamento que se torna cada vez mais incómodo?