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segunda-feira, janeiro 30, 2017

Sobre o chumbo do Conselho Nacional de Ética à proposta do BE

[Portugal]
Em 2016 mudaram de sexo 11 pessoas nos hospitais públicos
Foram feitas no ano passado, no Serviço Nacional de Saúde, quase tantas operações de reatribuição sexual como entre 2012 e 2015. Intervenções acontecem no Porto e em Coimbra.

[Portugal]
Conselho Nacional de Ética chumba proposta do BE sobre mudança de sexo
BE quer separar águas e eliminar a exigência de diagnóstico médico para alterar o sexo e o nome nos documentos. PAN apresentou um projecto semelhante e o Governo prepara outro. “Será o menor capaz de decidir?”, questionam os conselheiros sobre a diminuição da idade legal para mudar o registo civil.

Soube-se, por uma notícia do Público (notícia em cima), que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida chumbou a proposta do Bloco de Esquerda sobre, e cito, “mudança de sexo”.

Isto visto que os partidos, ou quem neles se ocupa destes assuntos, insistem em não partilhar informação com as associações/grupos trans, não as mantendo assim a par do que vai sucedendo (ou pelo menos não partilham com algumas delas),

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) é um órgão consultivo independente, que tem por missão analisar os problemas éticos suscitados pelos progressos científicos nos domínios da biologia, da medicina ou da saúde em geral e das ciências da vida. Criado em 1990, funciona junto da Assembleia da República desde 2009.

O chumbo não é nada de admirar, era algo que já se esperava. Mas analisemos a argumentação apresentada para o chumbo.

“O estabelecimento de uma liberdade absoluta do registo de género de cada pessoa tornaria impossível um reconhecimento público da identidade”, alega, acrescentando “Sem pôr em causa o direito que cada pessoa tem a ser aquilo que é, o que inclui, naturalmente, a livre manifestação da sua identidade e expressão de género, não se afigura aceitável, à luz das leges artis médicas, que o exercício de tal direito possa resultar de uma mera manifestação de vontade da pessoa”.

Não vejo como a liberdade de registo de género impossibilitaria um reconhecimento público da identidade. Como é costume nestes casos, deitam a bomba “isto assim faz assim” sem a argumentação associada. “A liberdade absoluta no registo torna impossível o reconhecimento público da identidade”. Como? Não se sabe. Torna e pronto. Faz lembrar aquelas respostas que certos pais dão às crianças quando elas questionam os porquês: “porque sim”.

Pelo contrário, essa liberdade torna, isso sim, possível o reconhecimento da identidade de género pessoal de cada ser humano, sem ter que preencher estereótipos e/ou preconceitos que avaliadores usualmente têm.

Segue-se uma lista de alguns países que já eliminaram a obrigatoriedade de diagnóstico, com a curiosidade de uma gritante falta: a Argentina, o primeiro país do mundo a fazê-lo. De seguida mencionam os países que “vão mais longe”, casos de países que aceitam a existência de um género neutro ou que aceitam a existência de um terceiro sexo.

E depois vem finalmente uma das razões reais do chumbo. Apesar de, como dizem, a WPATH (World Professional Association for Transgender Health) referir que “apenas algumas pessoas com variabilidade de género (leia-se transgénero ou trans) experimentam disforia de género” o conselho entende que não há “fundamentação bastante para prescindir da disforia de género”, logo, do diagnóstico.

Ou seja, o que o conselho não quer é que a sociedade aceite/reconheça as pessoas com variabilidade de género, pois só as que experimentam disforia de género é que poderão aceder a um diagnóstico, logo só essas é que poderão ver o seu género reconhecido. As outras, ou seja, a maioria, não devem ser reconhecidas, segundo o Conselho, e apesar do reconhecimento expresso pela WPATH (que reconhece como uma referência mundial na matéria). Uma posição que deverá lembrar os mais interessados nestas matérias como muito do agrado do Dr Décio: referir sempre a WPATH, mas só seguir o que nos interessa. Ou, em outras palavras, a WPATH pode ser uma referência mundial na matéria, mas nós é que sabemos, nós é que somos os detentores da verdade.

Trocando por miúdos, não querem que existam mulheres com pénis e/ou homens com vagina. Simples. Daí existirem muitos psiquiatras/psicólogos que condicionam o diagnóstico na vontade de se fazer a cirurgia de correcção de sexo. Se queres, tens o diagnóstico; se não queres não o obténs. O facto de se ter uma determinada identidade de género não interessa para nada.

Referem também a paranóia de metamorfose sexual e Koro como doenças que se podem confundir com a transexualidade/transgenderismo, nos quais a autodeterminação está diminuída. E como dizem, “Quem distingue uns de outros?”

Grandes palavrões que ficam sempre bem quando inquiridos por repórteres (ou numa apreciação, por exemplo, mostra-se sempre que se sabe do que se fala) mas que para o cidadão comum não passam disso: pomposos palavrões. Convém portanto explanar-se o que é a paranóia de metamorfose sexual e Koro, para que se entenda do que se fala e porque estes exemplos são falaciosos..

A paranóia de metamorfose sexual pode ser caracterizada como a convicção delirante de se ter mudado de sexo. Este delírio pode ter contornos místicos, sobrenaturais e bizarros, e ser acompanhado por alucinações cenestésicas (alucinações corporais na região genital). Pode manifestar-se em doentes psicóticos.

Koro é uma síndrome de desordem delirante em que um indivíduo tem a convicção avassaladora de que a sua genitália está a diminuir e vai acabar por desaparecer, apesar da falta de evidências nos genitais. Koro também é conhecido como pénis encolhedor. Nas mulheres manifesta-se na vulva e mamilos.

Como se vê, imagina-se a enorme dificuldade de diagnóstico destas duas doenças quando comparadas com a transexualidade. A confusão entre uma pessoa (homem) que entra numa consulta a dizer “sinto-me mulher: sou mulher” pode facilmente ser confundida com “acordei com vagina: Deus transformou-me em mulher” ou com “o meu pipi está a diminuir”. Daí serem precisos psiquiatras que digam que essa pessoa não é transexual, pois o comum dos mortais nunca lá chegaria, ou é isso que querem que transpareça. E quem sabe se erradamente.

E digo erradamente porque estes dois exemplos (a paranóia e o Koro) podem estar a ser vistos/estudados de um ponto de vista errado. A classe médica tem uma tendência para ajuizar tudo de acordo com as suas próprias convicções. Tudo que saia fora do que é considerado normal tem de ser doença, só pode.

Assim, eu questiono: e se os exemplos, em vez de serem factores que excluem à partida um diagnóstico de transexualidade, forem em vez disso sintomas de uma vontade avassaladora de se ser do género de que se realmente é? Parece complicado mas não o é.

Muitos factores existem que contrariam quem nós sabemos que somos. Uma sociedade que não nos vê como quem dizemos que somos, uma noção de normalidade que nos é imposta por essa sociedade, que nos força a ver-nos como freaks, até mesmo uma dificuldade em exprimirmos quem somos por palavras (muitas pessoas trans, em vez de dizerem que são de um determinado género, que é como se sentem e sabem que são, expressam esse sentimento de um ponto de vista social quando dizem que “querem ser mulheres”. Porque apesar de parecer similar, o querer ser qualquer coisa implica que se não é essa mesma coisa. E muita gente, apesar de se sentir de um género, diz que quer ser desse género, ou por dificuldades de expressão ou por uma assimilação do conceito de normalidade social.

Portanto, estes dois exemplos dados pela Comissão de Ética são, no mínimo, muito fraquinhos e denotam uma realidade escondida por trás: uma certa transfobia aliada a um grau indeterminado de desconhecimento.

Prosseguindo, a Comissão julga ainda que separar o procedimento legal do médico, abrir a possibilidade de avançar para a alteração do registo sem um diagnóstico pode levar a “frustração e falsas expectativas.” “É que os médicos estão “vinculados a normas e protocolos de intervenção reconhecidos pela comunidade científica internacional””.

Alterar-se a documentação sem relatório pode levar a frustração e falsas expectativas. Mais uma bomba. Frustração como? Falsas expectativas? Exemplos não há, explicação do que querem dizer, népias. Ou seja, porquê? Porque sim.

E depois vem (e aqui não sei se foi mesmo assim dito, se foi o modo como a jornalista escreveu): É que. Ora para mim, “é que” é como se fosse “porque”. Portanto, fica algo como isto: frustração e falsas expectativas sem relatório porque os médicos estão “vinculados a normas e protocolos de intervenção reconhecidos pela comunidade científica internacional”.

Para falar das normas e protocolos internacionais basta dizer que a WPATH recomenda o acesso de qualquer pessoa da dita variabilidade de género a cirurgias e tratamentos hormonais que desejem, mas cá no nosso burgo só tem acesso quem tem diagnóstico. Ora só tem diagnóstico quem tem disforia de género, que é só uma pequena parte da variabilidade. Como vínculo a normas e protocolos internacionais estamos entendidos.

Acrescento os casos de pessoas transexuais que tiveram os seus processos encravados durante vários anos por não preencherem os estereótipos que quem as tratava tinha para o seu género, e ficamos entendidos sobre que tipo de vínculo têm os médicos com normas e protocolos de intervenção reconhecidos pela comunidade científica internacional.

Terminam com a dúvida sobre se será o menor capaz de decidir (em relação não à falta de relatório mas ao diminuir a idade dos 18 para os 16 anos para se fazer a alteração). Realmente essa dúvida pode-se pôr em relação a quase toda e qualquer pessoa em qualquer idade. Aos 16 anos acredito que qualquer pessoa tenha consciência de quem é. Mesmo os defensores da patologização (sim, mesmo na comunidade trans os há) concordam que aos 16 já se sabe. Portanto aqui é uma mera questão de opinião. Há pessoas com 16 anos mais adultas e capazes de tomar decisões do que outras com 18 ou mesmo com 21. E não é de um dia para o outro que, como que por artes mágicas, uma pessoa se torna capaz. Um dia antes de se fazer 18 anos é-se incapaz e um dia depois já se é capaz’ Isto faz algum sentido? Para mim não. E para quem ler isto se calhar também não.

Finalmente, a classe médica ao terminar os estudos, é obrigada a fazer o juramento de Hipócrates. Essa mesma comunidade não se coíbe de fazer greves e de cobrar pela ajuda prestada a quem deles necessita. E depois falam de ética’??? Ética? Deviam era fazer o juramento Hipócrita. Isto independentemente de como qualquer trabalhador, terem direito á greve. É que ao fazerem o juramento abdicam desse direito. Ou então são uma cambada de mentirosos a jurarem em falso.

Eduarda Alice Santos

A 30 de Janeiro a jornalista que escreveu a peça para o Público informou que, devido a este comentário, reviu o texto, alterando-o. Assim, certas partes do comentário poderão não corresponder ao que se encontra presentemente no artigo do Público, facto pelo qual não tenho qualquer responsabilidade.

Este texto foi publicado no Portugalgay.pt a 29 de janeiro de 2017.

[Portugal]
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[Portugal]
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